Em meu favor, lembro que ter 15 anos de idade em 1964 não é a mesma coisa que ter 15 anos hoje. A televisão, no Recife, engatinhava. Só os mais velhos liam jornais. Eu gostava de ouvir os noticiários de rádio, principalmente o Repórter Esso, “testemunha ocular da História”, mas nem sempre ouvia.
Ouvi quando o Papa João XXIII, um ano antes, agonizava. E Zezinha, uma das minhas tias, apesar de muito religiosa, parecia não ligar. Em 1959, eu a vira de terço na mão, aos prantos, porque o Papa Pio XII morrera. Eu quis saber por que com João XXIII estava sendo diferente. Ela disse:
– O Papa não vai morrer.
– Como não vai se ele está doente e velhinho? – perguntei.
– Porque Deus vai atender ao meu pedido.
– Que pedido?
– Para que deixe o Papa viver, e, em troca, me leve, leve Maria Laurinda e você.
Tia Zezinha tinha mais de 70 anos; Maria Laurinda, sobrinha dela, mais de 50 e vivia em uma cadeira de rodas; eu, 14. Desconfiado, tratei de me certificar:
– Levar para onde?
– Para o céu – ela disse. “O céu é muito bom, você vai gostar”.
Ao pé do rádio, nunca torci tanto pela morte de um Papa. Até que o Repórter Esso, com muito pesar e em edição extraordinária, anunciou a morte de João XXIII no dia 3 de junho de 1963.
O dia 1º de abril de 1964 caiu numa terça-feira de muito sol. Aluno do curso ginasial do Colégio Salesiano, assim que cheguei lá pela manhã, celebrei a notícia de que as aulas haviam sido suspensas. O padre prefeito não nos disse por que, apenas nos mandou para casa.
Fardados e alegres, eu e mais três colegas decidimos bater perna no centro da cidade. Foi quando vimos, sem entender o significado da cena, uma tropa do Exército, munida de tanques, começando a cercar o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco.
Só no dia seguinte soube que o governador Miguel Arraes fora preso. O presidente João Goulart, para não ser preso, voara do Rio para Brasília e, de lá, para Porto Alegre. Ainda estava no Brasil quando o Congresso, já de cócoras, decretou a vacância do seu cargo.
A suspensão das aulas no Salesiano me fez simpatizar com o que as emissoras de rádio chamavam de “revolução”, ou “revolução democrática”, deflagrada para salvar o Brasil do comunismo, algo abominado pelos militares, os empresários, a Igreja Católica e a imprensa.
Mas logo comecei a me opor a tudo aquilo. Eu tinha uma namorada, Ana Margarida, que morava nas proximidades do Forte das Cinco Pontas, hoje um museu, naquela época um quartel. E por uma semana não pude vê-la. Os soldados, armados, não deixaram.
Dali a quatro anos, acusado de subversão, fui preso pela primeira vez. As paredes gritavam no Rio: “Abaixo a ditadura”; e os muros em Paris: “É proibido proibir”. Mas essa é outra história, a de um ano que nunca acabou – 1968. Está na memória dos que o viveram.