O Brasil termina o primeiro ano do governo Lula com a surpresa da ancoragem das expectativas econômicas. E com a sensação de “DéJà Vu” na ainda frágil ancoragem das expectativas políticas e institucionais.
Analistas de diferentes matizes enumeram as surpresas na economia. O crescimento foi maior do que o previsto. A inflação chega ao intervalo da meta. O Ministério da Fazenda formulou um arcabouço fiscal e uma reforma tributária que ancoraram expectativas e reduziram os temores fiscais do mercado financeiro. E a safra foi a maior da História, com o maior saldo da História na balança comercial do país. O que influenciou a estabilidade do câmbio.
Por sua vez, o DéJà Vu na esfera das expectativas político-institucionais tem a ver com os velhos problemas do sistema político e do arranjo institucional. Agora com o novo problema do parlamentarismo branco, configurando um semi-presidencialismo que, por ser informal, é foco de instabilidade permanente.
Nesta área política, o presidente Lula teve que entrar em campo para liderar a articulação política. Instintivamente, ele calibrou a bússola para a rotação da Realpolitik na política interna. Mas o velho calcanhar de Aquiles da dificuldade de formação de maiorias estáveis de governo mostra a sua cara todos os dias. Agora mais ainda.
No plano da economia, o que se espera para 2024, e depois, é a permanência da ancoragem das expectativas, apesar do fogo amigo recorrente e da exacerbação da polarização política.
O fogo amigo trombeteia por mais gastos, às portas das eleições municipais de 2024. A polarização calcificada entre bolsonaristas e petistas alimenta a busca por mais emendas orçamentárias – fragmentadas e eleitoreiras.
Tudo converge para comprometer a qualidade das políticas públicas e tornar o Orçamento Geral da União um queijo suíço.
É preciso acelerar as iniciativas de busca de qualidade nos gastos públicos, o que pressupõe reestruturação de gastos, para a realização de investimentos voltados para melhorar a produtividade na economia e a qualidade nas políticas públicas.
Pressupõe, também, a promoção de mudanças administrativas no modelo de recursos humanos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. As estruturas de cargos e salários são anacrônicas, regressivas e ineficientes. Não se pautam pelo mérito. Têm funções que não são mais necessárias.
Elas sobrecarregam o Orçamento da União com projetos que não têm mais relevância para a sociedade. A burocracia alimentando a burocracia. O que se precisa buscar é um estado empreendedor, e não um estado empresário.
No plano político-institucional , é preciso superar o DéJà Vu. Há que se ajustar as estruturas institucionais do sistema político em vigor. Continuando o processo incremental de reformas políticas, principalmente a democratização do sistema partidário oligárquico e a reforma eleitoral.
Quanto ao semi-presidencialismo, na prática já está em vigor. Só que em padrão “jeitinho brasileiro”. Aí é que está o problema. Não emula estabilidade política.
Enquanto não forem retomadas as reformas – em ritmo incremental – a governabilidade e a formação de maiorias continuarão instáveis.
Tudo contribui para pairar os fantasmas da instabilidade política e da incerteza econômica – para 2024 e depois.
O Orçamento Geral da União (OGU), tal como está, estrangula a capacidade de investimentos do governo e cria incertezas para a realização de investimentos privados.
Tudo somado, o regime fiscal do país é função do seu arcabouço político-institucional. Ou seja, o OGU é expressão das opções e prioridades da sociedade em termos de políticas públicas, e não apenas do Executivo federal.
O que nos leva ao velho colorário: a economia é função da política. A melhoria das expectativas também. Até quando permanecerá o nosso DéJà Vu? Círculo vicioso?
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.