A solução para a Zona Franca de Manaus dentro da reforma tributária pode passar pela criação de um “cashback” para que se devolva às empresas, em dinheiro, o valor que hoje elas possuem na forma de benefício tributário. Esse é um dos pilares de uma proposta para a região que está sendo preparada pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), entidade responsável por um dos textos de reforma em discussão no Congresso. A informação foi publicada neste domingo (28/05) no UOL.
Atualmente, há diversos incentivos fiscais na região. Alguns baseados em quatro tributos que serão extintos com a reforma: os federais PIS, Cofins e IPI e o ICMS, imposto estadual.
O diretor do CCiF e ex-ministro Nelson Machado disse à Folha que o modelo de devolução é mais transparente e dá mais segurança jurídica às empresas da região, ao substituir um sistema incompreensível para muitos. “O que o CCiF se propõe é criar um modelo que troque essa parafernália por um fluxo claro, fiscalizável e calculável.”
A ideia é que o Polo Industrial de Manaus seja tratado como uma região “fora do Brasil” do ponto de vista do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Com isso, suas importações e exportações (compras e vendas para outros países) seriam totalmente desoneradas do novo imposto sobre consumo.
As vendas de insumos de outras regiões do Brasil para a Zona Franca seriam tratadas como exportações, com direito a crédito de imposto para o fornecedor, o que significa desoneração total.
Já as vendas de produtos da região para o restante do Brasil seriam tributadas com o IBS-Importação, recolhido pelo comprador. A empresa em Manaus não recolhe nada.
Esse desenho ainda não garante a vantagem tributária para a região. Por isso, o CCiF propõe devolver às empresas locais parte da arrecadação do novo imposto.
A devolução em dinheiro será equivalente aos incentivos com os tributos que serão substituídos, calculada como proporção do valor das vendas para outras regiões do país.
Machado explica que isso é diferente de devolver totalmente o tributo dessas vendas, o que geraria uma perda de arrecadação superior ao benefício tributário atual.
O CCiF está construindo um modelo de cálculo da devolução que será apresentado por meio de uma nota técnica. Caberá aos atores políticos seguir ou não essa sugestão ou aperfeiçoar a proposta.
A entidade propõe que o custo da devolução seja repartido entre o governo federal e os estados, mas afirma que a forma como isso será feito é uma decisão política. O mesmo ocorre com a aplicação da fórmula para definir o cashback: pode ser feito um cálculo por empresa, setor, companhia com o mesmo tipo de benefício ou até uma média geral.
As contrapartidas atuais das empresas para ter o benefício fiscal, como os recursos para a Universidade do Estado do Amazonas, seriam descontadas do orçamento destinado ao cashback.
As PECs (Propostas de Emendas à Constituição) que tratam da reforma preveem que as regras especiais para a Zona Franca serão criadas posteriormente, por meio de lei complementar.
“Isso não precisa estar na PEC, mas ajuda a destravar a discussão. Mostra que é possível construir um modelo que garanta a competitividade do Polo industrial de Manaus”, afirma Machado. “O cashback entra para garantir o diferencial competitivo da região.”
Zona Franca até 2073
O diretor do CCiF afirma que o modelo de desenvolvimento da região não pode acabar do dia para a noite e que muitas empresas fizeram investimentos com base no sistema tributário atual. A instituição desenha uma fórmula com base no que existe atualmente e diz que a decisão de reduzir ou manter essas regras é uma questão política.
A proposta original da entidade era acabar com o tratamento tributário diferenciado e fazer uma compensação por meio da transferência de recursos para a região, mas essa solução se mostrou politicamente inviável.
A Zona Franca de Manaus responde por 7% dos incentivos fiscais classificados pela Receita Federal como gastos tributários. Está entre os cinco maiores benefícios, com uma renúncia estimada em cerca de R$ 30 bilhões para 2023 em tributos federais. Os benefícios da região têm prazo de vigência até 2073.
Em abril, o CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) e a Abraciclo (associação dos fabricantes de moto e bicicletas) divulgaram documento com três propostas para serem incorporadas à reforma tributária.
Eles pedem a manutenção do IPI até 2073 para produtos fabricados na Zona Franca, tratamento favorecido nos novos tributos sobre consumo (com isenções, créditos presumidos e reduções da base de cálculo, isoladamente ou combinados) e a criação de um Fundo Constitucional da Bioeconomia.
Uma nova proposta de reforma tributária deve ser apresentada no início de junho pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O texto irá substituir a versão atual da PEC 45 e poderá ser votado diretamente no plenário da Câmara, para depois ser analisado no Senado.
O Ministério da Fazenda e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avaliam que o texto deve ser aprovado na Casa antes do recesso parlamentar de julho.
Uma das ideias da reforma tributária é acabar com praticamente todos os mecanismos de desoneração por produto. Eles seriam substituídos por um sistema em que o governo cobra de todos e devolve o dinheiro para um contribuinte com determinadas características (mais pobres ou empresas da Zona Franca, por exemplo). É a chamada tributação personalizada ou “cashback”.
Esse modelo é utilizado em vários países e que também está sendo testado no Rio Grande do Sul. A devolução pode ser feita em tempo real, antecipadamente (um complemento no Bolsa Família, por exemplo) ou posteriormente, como uma espécie de Nota Fiscal Paulista (SP) ou Nota Legal (DF).
Zona Franca em números
41.773Empresas cadastradas na Suframa*
18.054Empresas cadastradas no Amazonas
430Indústrias de grande porte em Manaus
107 milEmpregos nessas grandes indústrias
412 milEmpregos indiretos
2,2 milhõesPopulação de Manaus
R$ 158 bilhõesFaturamento do polo industrial de Manaus em 2021