As discussões sobre as saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidões” ou “saidinhas” voltaram a ser tema de debate depois da morte do policial militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, baleado e morto por um criminoso em Belo Horizonte (MG). O suspeito de efetuar os disparos é um homem com 18 passagens pela polícia, que não retornou após a saída temporária de Natal.
O projeto de lei (PL) nº 2253/2023, que trata do tema das saidinhas, foi aprovado em agosto de 2022 pela Câmara dos Deputados. No Senado, porém, o texto aguarda, desde março do ano passado, apreciação na Comissão de Segurança Pública. O relator, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), já apresentou parecer favorável à aprovação da matéria, mas a versão dele acaba de vez com as saídas temporárias de apenados.
No momento, senadores interessados articulam mudanças no projeto, discutidas por nomes como Sergio Moro (União-PR) e o presidente do colegiado, Sergio Petecão (PSD-AC). A previsão é de que o texto seja apreciado em fevereiro, logo após o recesso parlamentar. Em seguida, se passar, a matéria também precisa do crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado antes de ser levada ao plenário.
“A ideia é preservar a saída para trabalho ou estudo dos presos do semiaberto, já que são atividades que promovem a ressocialização. E eliminar as saidinhas em feriados que têm gerado fugas de parte dos presos e novos crimes”, explica Moro.
As alterações articuladas pelo senador têm, como objetivo, evitar judicializações quando o projeto for aprovado. “O senador Moro está fazendo algumas adequações porque, do jeito que o Flávio Bolsonaro quer, não pode ser. A lei, você não pode proibir todas as saidinhas. Alguns presos gozam de algum benefício, tem gente que estuda, tem gente que trabalha”, ressalta Petecão ao Metrópoles.
“Se aprovasse do jeito que estava, explodiria tudo! Corria o risco de ser judicializado. O Moro está tentando colocar na cabeça do Flávio. Se for perguntar ao cidadão comum, todo mundo é contra a saidinha”, continua o presidente da comissão.
Além de acabar com as saídas temporárias, o projeto prevê o monitoramento eletrônico de detentos que passam para o regime aberto ou semiaberto. Também cria um exame criminológico para autorizar a progressão de regime de pena.
Autoridades defendem mudanças
A mudança na legislação foi defendida pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que lamentou a morte do policial militar. “Têm sido recorrentes esses acontecimentos de saídas temporárias que, em vez de servirem a uma proposta de ressocialização, têm sido um instrumento de permitir a liberdade daqueles que não têm condição de estar em liberdade”, destacou ele, em entrevista coletiva na última terça-feira (9/1).
A fala de Pacheco endossa a crítica feita pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que classificou a norma que permite o benefício da saída temporária como “ultrapassada”. “O criminoso que devia estar atrás das grades, por força da lei, estava nas ruas e causou essa perda irreparável”, disse o político mineiro, ao lamentar a morte de Roger Dias da Cunha.
“Leis ultrapassadas podem tirar a vida de mais um policial em Minas. Bandidos com histórico de violência são autorizados para ‘saidinha’, que resulta em insegurança para todos brasileiros. Passou da hora disso acabar. A mudança tá parada no Congresso. Até quando?”, escreveu Zema no X.
Como funciona
Atualmente, a Lei de Execução Penal permite que presos em regime semiaberto sejam beneficiados com a saída temporária, cumprindo requisitos como bom comportamento. As saidinhas costumam ocorrer em datas comemorativas como Dia das Mães, Páscoa e Natal.
Detentos que tenham cometido crimes hediondos não têm direito ao benefício. Os presos precisam informar o endereço onde precisam permanecer durante a noite, e são proibidos de frequentar locais como bares e casas noturnas.
Debates devem ser pautados por ponderação e equilíbrio, diz especialista
Para o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, o debate deve ser feito com tranquilidade. “Deve ser pautado por muita ponderação e equilíbrio, na medida em que nem todo criminoso é agente contumaz ou, em algum momento, foi alvo de condenação por ter cometido crime grave com violência ou flagrante de extrema ameaça”, analisa.
O especialista argumenta que, no cenário atual, a reincidência é incentivada pelos critérios objetivos que proporcionam a saidinha a criminosos que continuam a se envolver em ocorrências policiais: “Isso tudo redunda num juízo de insegurança ampla, não só pra sociedade, mas pra própria justiça criminal, do ponto de vista de que esses indivíduos sairão tendo a certeza efetiva que não precisarão voltar sem que sejam sancionados de alguma forma, e também mantendo assim a sua contumácia por saberem que os requisitos objetivos serão cumpridos e serão beneficiados com a saída temporária”, diz Cantelmo.
“É importante enfrentarmos o debate com muita tranquilidade para que, ao final, cheguemos a um denominador comum de manutenção de direitos fundamentais, mas também de manutenção da segurança pública, sobretudo a proteção efetiva da sociedade, para que marginais e criminosos não voltem a reiterar e ainda ter condição de serem beneficiados com uma saída temporária”, finaliza.