Desde que a conhecemos, a inteligência artificial (IA) vem dividindo opiniões sobre suas aplicações e sobre o quanto de tudo que se está falando não passa de hype.
Como profissional da comunicação, estou próxima de pessoas com opiniões muito otimistas sobre o tema. Como entusiasta e estudiosa do comportamento humano, convivo com grupos de pessoas que tendem a apresentar uma visão oposta.
No meio desses dois mundos, estou longe da pretensão de chegar a um consenso sobre o tema, mas essa posição me levou a algumas reflexões sobre o assunto.
Como estrategista, olho para o mercado e também, fundamentalmente, para o comportamento das pessoas em suas peles de consumidores. Então, o tempo todo me pergunto como as novas ferramentas podem ajudar a criar melhores estratégias para nossos clientes e um ponto crucial delas passa por entender tendências de comportamento e consumo.
É bem nesse ponto, em meio a notícias que afirmam que estamos próximos de prever tudo sobre nossas vidas, até mesmo o dia de nossa morte, que me pergunto: a IA pode responder nossas dúvidas sobre as tendências do comportamento humano?
Dentre todas as possibilidades de aplicação da inteligência artificial no planejamento estratégico, é essa a pergunta que mais me intriga, não só por conectar duas áreas de meu interesse, mas também pela relação com as discussões dentro do espectro complexo e fascinante sobre o potencial quase ilimitado das máquinas e a essência da experiência humana.
Venho pensando sobre o tema e frequentemente me deparo com a explicação de que o cérebro é como uma esponja que absorve tudo do ambiente em que é exposto, e a AI funciona da mesma forma, logo, ela é capaz de se comportar como nós.
Tenho dois pontos essenciais sobre essa afirmação, o primeiro é que não podemos afirmar que o cérebro absorve “tudo” do ambiente e o segundo, e mais importante, é que, quando falamos em pessoas, há o componente “subjetividade” que não pode ser ignorado e ainda é dificilmente reproduzido artificialmente.
Mas, por quê? Sabemos que a IA funciona a partir da sua capacidade de analisar grandes volumes de dados e identificar padrões mais ou menos sutis, permitindo termos uma visão do mercado.
Podemos imaginar como uma curva normal que vai guiar o entendimento de uma tendência. Mas, quando falamos em subjetividade precisamos levar em consideração percepções individuais e as singularidades de cada indivíduo, considerando que, em uma população, cada componente tem vários pontos dentro da curva e alguns fora, e é bem aí, nos “pontos fora da curva” que estão os insights mais interessantes.
Então a IA pode, sem dúvida alguma, trazer informações e análises valiosas e ajudar os estrategistas a pouparem tempo, mas ainda é necessário que olhares com a sensibilidade humana interpretem esses dados para que surjam insights interessantes para tomada de decisões que guiem estratégias efetivas.
Esse olhar, para ser enriquecido, deve contar com diferentes ferramentas com e sem a implicação da IA, ou seja, habilidades humanas e a inteligência artificial são complementares para uma boa estratégia.
Até tenho visto profissionais defendendo, inclusive, o uso da intuição, sendo que podemos definir essa capacidade unicamente humana como um processamento de informações vividas por nós, que também podemos chamar de dados, com uma lógica gerando uma percepção que não veio totalmente à consciência. Assim, de certa forma, a priorização e seleção de alguns pontos em detrimento de outros também depende do uso da subjetividade.
Esse olhar humano acurado deve se tornar mais necessário quanto o mercado que se aplica é mais específico ou nichado ou até mesmo para uma nova categoria, pois, nesses casos, o olhar para os pontos subjetivos (o que chamamos de “fora da curva”) são mais determinantes.
Mas, antes de mais nada, é importante lembrar que essa é uma análise atual, na qual o futuro da IA na previsão de tendências é bastante auspicioso, pois, a cada avanço tecnológico, a análise de dados e a precisão para previsão continua a melhorar.
Mas, hoje, acho que antes de resolver todos os problemas estratégicos (ou prever a nossa morte), talvez a IA deva ter um longo caminho para falar mais sobre a forma como vivemos.
Luciana Colnaghi é diretora de Planejamento da agência Frat.