Estudo feito em parceria com o Conselho Nacional de Justiça sobre a cadeia de lavagem, formação de quadrilha e corrupção ligada a crimes ambientais na Amazônia aponta a necessidade de políticas públicas para combater facções criminosas que passaram a atuar também nos delitos contra o meio ambiente. Pesquisadores também alertaram sobre o índice ‘elevado’ de prescrição da pena e o ‘sentimento de impunidade’ ante os crimes ambientais.
O estudo mostra que os principais alvos de processos ambientais são pessoas físicas (66,6%), depois empresas (31,8%) e gestores públicos (1,5%).
O tempo médio de duração dos processos é de sete anos.
O documento foi elaborado com base em dados do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) – que atende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, da Amazônia Legal – e da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário sobre ações judiciais de temas ambientais.
O trabalho foi desenvolvido com a análise quantitativa de mais de 100 mil processos e a avaliação qualitativa de uma amostra dessas ações, somada a entrevistas com integrantes do sistema de justiça, da Polícia Federal e da sociedade civil, incluindo ainda a análise de operações de combate a crimes ambientais.
Intitulado ‘Crimes Ambientais na Amazônia Legal: A atuação da Justiça nas cadeias de lavagens de bens e capitais, corrupção e organização criminosa’, o estudo foi realizado pelo Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) – no âmbito de projeto de cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Um ponto destacado na pesquisa é o índice de prescrição dos processos, situação que ‘apareceu com certa frequência na análise dos autos processuais’. Foi identificada uma proporção geral de 26% de prescrição.
“Em parte da amostra analisada, constatou-se a morosidade do sistema judicial em dar resposta efetiva e em tempo hábil, verificando-se a prescrição da pretensão punitiva em alguns processos que envolvem crimes ambientais, em especial os previstos nos artigos 55 e 46 da Lei n. 9.605/1998 e no artigo 319 do Código Penal (crime de prevaricação. Importante destacar que esses crimes são de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapassa dois anos, abrandamento punitivo esse que gera grande repercussão na configuração da prescrição punitiva”, destaca o documento.
O maior índice se deu em um assunto genérico, de ‘crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético’. Metade das sentenças caiu na rotina da extinção da punibilidade por prescrição.
Ainda de acordo com o estudo, todos os demais casos apresentam índices elevados, que variam de 23% a 35% (crimes contra a flora).
“A alteração legislativa da pena para os crimes ambientais e a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional são, portanto, fundamentais para desestimular o intuito criminoso, levando a uma redução da criminalidade”, propõem os pesquisadores.
Ao lado da prescrição, o estudo constatou, nas entrevistas, o ‘sentimento de impunidade e a insatisfação com as respostas estatais aos crimes ambientais’.
Segundo o dossiê, a insegurança jurídica causada por frequentes mudanças normativas leva à expectativa, de quem pratica o crime, de que a conduta será legalizada, ou pelo menos, não haverá punição.
O debate legislativo sobre a qualificação dos crimes ambientais como delitos de menor potencial ofensivo é apenas uma das recomendações dos pesquisadores. Também são sugeridas ações de articulação institucional que abordem a intersecção entre crimes ambientais e de lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa.
Sobre o combate ao crime organizado, por exemplo, o grupo recomenda que o desenvolvimento de políticas públicas em tal sentido deve levar em consideração o ‘surgimento de novas práticas criminosas, a participação de facções nos crimes ambientais, a intensa cooptação de jovens locais e as peculiaridades dessas atividades em distintos locais da Amazônia’.
“Há disputa de facções do crime organizado no Brasil pelas zonas de narcotráfico internacional. Além disso, essas facções também atuam nos garimpos, e, em especial, na exploração de animais, em razão da facilidade de se “lavar” dinheiro nessas atividades”, indicam.
Segundo o grupo, a partir das entrevistas foi identificado que ‘há crescente participação de facções criminosas, com cooptação de jovens das comunidades locais’ e que o narcotráfico ‘tem atuado de forma integrada a outras atividades criminosas, a exemplo dos chamados “narcomadeireiros”’.
Os estudiosos apontam ‘participação de atores internacionais nas cadeias criminosas, em especial considerando a natureza das atividades e as dificuldades de fiscalização nas fronteiras da Amazônia’. Eles destacam como alguns entrevistados ‘percebem o poder público também como um ator envolvido nos crimes ambientais’.
O estudo alerta para a necessidade de combate à ‘grilagem verde’, para que ‘projetos de sustentabilidade, ESG, créditos de carbono e biodiversidade, bem como suas propostas de regulação, atendam à integridade das áreas de preservação e das terras indígenas’.
“A “grilagem verde” pode ser compreendida tanto como a corrida por áreas para o desenvolvimento de projetos florestais com vistas à comercialização de direitos quanto como o apossamento de terras indígenas para que funcionem como reserva legal de atividades produtivas contíguas, sendo identificada como uma nova forma de pressão territorial na região amazônica”, ressaltam.
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