Graças à loquacidade oferecida pelo malte escocês, pude finalmente conversar com um rico sobre o defeito que mais se atribui aos ricos: a forretice.
Este era particularmente forreta. É verdade que me ofereceu um livro, mas era um livro escrito por ele e, mal mo passou para as mãos, pôs-se a discursar sobre quanto custaria num alfarrabista, por estar esgotado e cheio de reproduções caríssimas.
Eis o que apanhei da conversa: sim, os ricos são forretas. Mas isso de ser forreta é coisa de pobre — segundo os ricos.
Um forreta, para um rico, é o que o pobre chama ao rico que não estoura o dinheiro todo. Os ricos são forretas porque têm medo de ficar pobres. Ficar pobre, para um rico, é ficar como nós: obcecados com o dinheiro.
Os ricos contam os cêntimos porque nós não contamos. Nós, para compensar o não sermos ricos, gastamos o dinheiro todo até acabar, e depois ficamos à espera de que venha mais no fim do mês.
Os ricos têm horror a ficar assim, sem dinheiro. E, por isso, são forretas. São mais forretas ainda porque têm muito dinheiro. Têm mais a perder. A angústia é redobrada. Ter muito é ter muito medo de deixar de ter muito. “Mas ainda ficas com muito!”, dizem os pobres, a tentar convencê-los a comer uma lagosta em vez de uma navalheira.
“Sim”, respondem os ricos, “mas já não fico com tanto.”
Nós sabemos que o mundo não acaba quando não temos dinheiro: é apenas interrompido. Mas os ricos têm medo de não conseguir sobreviver. Têm medo de estar completamente dependentes do dinheiro. Podem até odiar o dinheiro. Mas não passam sem ele. Não são como os pobres. São ricos.
Os ricos horrorizam-se com os esquemas que os pobres arranjam para lhes sacar o dinheiro: investe aqui, empresta-me dali, filantropiza-me aquilo.
Nós não descansamos enquanto não forem pobres como nós — até para podermos ser amigos deles a sério. Os ricos pensam que só gostamos deles por causa do dinheiro. E, como querem que gostemos deles, agarram-se ao dinheiro.
(Transcrito do PÚBLICO)