Intuo que as eleições municipais de 2024 poderão ser um teste real da possibilidade de recomposição de uma Frente Ampla no Brasil. Apesar da retroalimentação da polarização nacional entre Lula e Bolsonaro. Essa polarização vai ser generalizada nas eleições municipais deste ano? Penso que não. Ainda mais com o prenúncio de combustão de Jair Bolsonaro.
A Frente Ampla uniu-se para eleger Lula em 2022. Mas não está composta para governar. O governo Lula3 não conseguiu costurar uma governabilidade pela via da Frente Ampla.
A luz amarela da desaprovação nas pesquisas mostra que a Agenda e o desempenho do governo e de Lula não conseguiram soldar uma Frente Ampla de composição e articulação de maiorias.
Além do “aviso” das pesquisas recentes de avaliação, outras pesquisas – a nível nacional e internacional – têm sido constantes em apontar o cansaço de um crescente contingente de eleitores com a polarização.
Há um “centro político” que parece desejar um retorno ao diálogo ensaiado em 2022: liberais democratas, conservadores clássicos, e progressistas – a faixa/espectro que vai da centro-direita à centro-esquerda. Em 2026, esta faixa poderá ser significativa para configurar relevantes votos voláteis (“swing voters” no jargão da política americana) no Brasil. Podendo, talvez, representar até algo como 60% do eleitorado.
A força do nacional-conservadorismo a la Donald Trump e Viktor Orbán, na verdade mais reacionária do que propriamente conservadora, está em compasso de calcificação e grande relevância política. Mirando a destruição do liberalismo clássico (prevalência do mercado e da liberdade). Com a política do ressentimento e da captura das instituições do Estado.
Ao mesmo tempo, há um imperativo de realidade. Trata-se da necessidade da busca de consensos mínimos para viabilizar a governabilidade dos países – aqui e nos Estados Unidos, por exemplo. Assim, por força do princípio de resultante da física, o imperativo da governabilidade tende a impulsionar progressistas e liberais democratas para a busca do caminho do diálogo e da criação de pontes no plano dos valores. Por exemplo, o valor do patriotismo pode permitir esta ponte.
Superar a risca de giz da polarização impulsionada por máquinas de ódio nas redes sociais. Isto no plano extraeconômico dos valores. No plano econômico, há outro imperativo de realidade. Buscar a reconquista da sensação de bem estar. Para superar a política do ressentimento e do ódio oriundo do sentimento de rejeição e exclusão. Portanto, superar a Teoria do Domínio dos Evangélicos neopenteconstais: a busca da destruição dos adversários.
Volto a 2024. No mundo real, as eleições de 2024 no Brasil, intuo, poderão ser um fermento para a superação da polarização. Através da manifestação, nas urnas, da força político-eleitoral crescente do “centro político”.
O centro político rejeita a polarização e deseja sair do plano da política ideologizada do contraste e da rejeição do “outro”, para a política do emprego, da renda e da prosperidade. Ou seja, do bem estar.
Esta sensação de bem estar o Brasil experimentou nos vinte anos entre 1992 e 2012. Do governo Itamar Franco até a primeira metade do primeiro mandato de Dilma Roussef, passando pela Era FHC e a Era Lula. Anos de bem estar e democracia.
2024 pode ser um laboratório para sair da encruzilhada da polarização. Pela força do princípio de resultante da física. E pela manifestação na urnas do cansaço do centro político.
“Wishful thinking”? A conferir.
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.