É muito libertadora a facilidade, sempre que ouvimos a música de Wagner, com que nos esquecemos da maldade do compositor. A razão é simples: a música é muito boa.
Deve haver uma escala de correspondências morais entre os defeitos humanos de um artista e as qualidades artísticas das coisas que criou. Se foi – ou é – muito má pessoa, as obras de arte têm de ser muito boas.
Wagner tinha muitos defeitos para compensar, mas compensou-os.
Também há artistas que são humanamente muito bons, mas que artisticamente são infernalmente maus. Talvez sejam mais bonzinhos por serem tão maus. Nisso, parecem-se com os bons artistas que acham graça serem mauzinhos como as cobras.
Talvez a maldade tenha uma tabela de preços: quanto maior, mais se tem de pagar em obras de arte.
Lembro-me logo do melhor amigo de um grande corrupto português que me disse que esse corrupto era a pessoa mais generosa que ele conhecia: metade do dinheiro que tinha, dava a quem precisava.
É a defesa Robin dos Bosques: ele não é um ladrão, senhor doutor juiz, é um redistribuidor. Os pobres contam com ele. Ele não rouba, senhor doutor juiz! O que ele faz são transferências bancárias: da conta de quem tem dinheiro a mais, para a conta de quem precisa.
Os corruptos também devem ter uma tabela de equivalências, parecida com aquela que preside aos nossos impostos. Na coluna da esquerda está o dinheiro que se roubou. Na da direita, a percentagem mínima a gastar em boas causas.
Se algum necessitado tem a ousadia de questionar a proveniência daqueles patacos, o corrupto diz logo “dinheiro é dinheiro”.
O princípio básico é sempre o mesmo: se queres lavar dinheiro, primeiro é preciso ganhá-lo. Aplica-se o mesmo princípio às penitências: quanto maior o pecado, maior tem de ser o castigo.
Na verdade, é a tabela em si que é corruptora. Fingindo que é possível converter maldades em bondades, acaba por confundi-las irrevogavelmente. Coexistem, mas não podiam ser mais diferentes.
(Transcrito do PÚBLICO)