A autorização da Câmara Municipal para que os serviços de água e esgoto da cidade de São Paulo possam ser operados pela iniciativa privada está longe de fechar a polêmica sobre a venda da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), tão desejada pelo governador Tarcísio de Freitas e, por óbvio, rechaçada pela esquerda. Embora cada lado tenha o legítimo direito de defender suas crenças, ambos insistem em manter o debate na rasura de um pires, sem ir a fundo na conveniência ou não de privatizar a empresa.
A sanção relâmpago do prefeito da capital Ricardo Nunes (MDB), publicada na última quinta-feira poucas horas depois da aprovação dos vereadores, só pôs lenha no imbróglio. A juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, determinou a suspensão dos efeitos da lei devido à não realização de audiências públicas determinadas pelo Tribunal de Justiça do Estado. Em nota, o legislativo municipal fez pouco caso da magistrada e reafirmou a validade da lei. Um gesto combinado com o prefeito na direção de Tarcísio para consolidar o apoio do governador bolsonarista a Nunes, candidato à reeleição.
Companhia de excelência, a Sabesp atende a 376 das 645 cidades paulistas com 98% no abastecimento de água, 92% de esgoto coletado e 79% tratado. Ou seja, nesses municípios, incluindo a capital, seus serviços estão muito próximos das metas de 99% de distribuição de água potável e 90% de esgoto coletado e tratado, fixadas pelo Marco do Saneamento. Participa ainda de uma série de iniciativas de bioenergia e da despoluição dos rios Pinheiros e Tietê. E é rentável. Em 2023 registrou lucro líquido de R$ 3,5 bilhões, 12,9% acima de 2022. Não depende de subsídios e nada custa ao Estado. Vendê-la, no entanto, injetaria aporte bilionário ao governo estadual que hoje controla 50,3% do capital da companhia.
Para além da vantajosa equação econômica, há questionamentos que vão desde as garantias de custos mais baixos aos consumidores, o que ainda não se vê em outras operações privadas dessa natureza, aos riscos de privatizar serviços essenciais, em especial água e energia elétrica. Os defensores dessa premissa usam os precários serviços da Enel, que chegou a deixar paulistanos sem luz por mais de semana, para justificar a tese.
Mesmo entre privatistas, há quem argumente que a estatal Sabesp já fez o grosso do serviço de universalização e que a competição com privados seria mais indicada em regiões com grandes déficits de atendimento, como o Norte e o Nordeste, áreas que exigem investimentos pesados. Parte desse grupo também tem dúvidas sobre a capacidade de fiscalização do Estado.
Mas o debate está a anos-luz de contemplar esses parâmetros. O que se tem é um lado encarnado pela esquerda, para quem o Estado deve gerir a economia e todos os serviços públicos, e outro, à direita, que tem o mercado como senhor de tudo e todos. Nenhum dos campos acerta. Nessa eterna troca de acusações entre “desenvolvimentistas estatizantes” versus “neoliberais” quem perde, como sempre, é o cidadão usuário dos serviços.
Como o bom senso é mercadoria rara na prateleira das políticas públicas brasileiras, a discussão privilegia o embate ideológico em vez de buscar eficiência que, importante ressaltar, pode ser encontrada em empresas estatais, privadas ou mistas. A Sabesp é prova disso.
Há várias experiências exitosas de iniciativas mistas, via Parceria Público Privada, de estatais que dão certo e de privatizações que mudaram o paradigma de qualidade dos serviços, como a da telefonia. E há desastres como a Enel.
No mundo, mais de 80% da oferta de água e esgoto são públicos e há mais de 800 cidades que privatizaram e voltaram atrás. É o caso de Berlim, cujos serviços foram privatizados em 1999 e reestatizados em 2013, após referendo popular. Por aqui, segundo pesquisa Datafolha de abril deste ano, 53% dos paulistas são contra a privatização da Sabesp, 40% a favor (6% não sabem e 1% não respondeu). Isto é: um eventual plebiscito jogaria água fria no desejo do governador paulista.
Mary Zaidan é jornalista