São Paulo — A Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), que tem sido questionada em milhares de ações judiciais por receber R$ 45 mensais de aposentados sem permissão, vive uma guerra interna, tem em seus quadros um empresário com contratos públicos, e virou parceira do INSS graças a um ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL) ligado ao Centrão no Congresso Nacional. Como mostrou o Metrópoles, a entidade está em nome de uma moradora da periferia de São Paulo, mas seu controle é exercido por gente mais influente.
O Metrópoles revelou, nesse sábado (23/12), que aposentados têm questionado, aos milhares, na Justiça, uma discreta cobrança de R$ 45 em suas folhas de pagamento mensais. O dinheiro, diz o próprio INSS, é destinado à Ambec. Alguns, tem vencido disputas judiciais e, mesmo assim, têm enfrentado resistência do órgão para conseguir o dinheiro de volta.
Presidente de fachada
A Ambec fica sediada em um escritório na Rua Helena, na Vila Olímpia, em São Paulo. Dizem os porteiros que o escritório de fato funciona, mas, nessa sexta-feira (22/12) à tarde já não havia mais ninguém. A entidade tem redes sociais e oferece planos odontológicos e atendimentos de saúde.
Em contraste com seu escritório em um bairro de metro quadrado caro, a presidente da entidade mora no Jardim Robru, no Extremo Leste da capital paulista. Maria Inês Batista de Almeida é auxiliar de dentista e tem 63 anos. Ela não responde a nenhuma pergunta da reportagem. Nem se emprestou seu nome a terceiros para aparecer apenas formalmente no comando da Ambec.
O Metrópoles, no entanto, apurou que a associação é controlada por um empresário que acumula milhões em contratos públicos. Seu nome é José Hermicesar Brilhante Palmeira. Empresário que acumula contratos públicos, inclusive no governo federal, ele assina como secretário da Ambec na ata das eleições de março que levaram Maria Inês ao comando da entidade.
O documento é objeto de uma guerra. Ex-diretores da Ambec dizem que a ata leva assinaturas falsas e que nem José Hermicesar reconhece que a assinou para eleger uma nova diretoria. No processo, ele nega. A briga judicial tem uma guerra de versões e até perícia sobre assinaturas de ex-diretores. O grupo ligado ao empresário defende a regularidade da atual gestão.
O ex-ministro
A Ambec foi alçada à condição de poder ter um naco na parcela de aposentadorias por meio de um convênio firmado em 2021.
No extrato do acordo, consta que ele foi firmado para a “realização de desconto de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários dos seus associados” no valor de R$ 45.
O “Acordo de Cooperação Técnica” foi assinado pelo então diretor de benefícios, José Carlos Oliveira. Depois, ele presidiu o INSS e, ano seguinte, assumiu o comando do Ministério do Trabalho e da Previdência. Lá, permaneceu até o fim do governo Jair Bolsonaro (PL). Oliveira passou por Democratas e pelo PSD e sua ascensão contou com a benção da legenda de Kassab e do PTB de Roberto Jefferson.
Quando estava na diretoria de benefícios, Oliveira já era visto com preocupação por procuradores do Ministério Público Federal (MPF), que vinham investigando entidades como a Ambec. Quando ele chegou, a pasta pôs freio em uma onda de suspensões de convênios com essas entidades por irregularidades.
O manda-chuva
José Hermicesar é de Crato, no Ceará, mas estava em São Paulo, no início dos anos 2000, quando recebeu uma homenagem de um ex-vereador malufista por seu “brilhante trabalho” como “minstro responsável” pela Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Ganhou da Câmara o título de cidadão paulistano.
Seus voos maiores seriam alçados, mesmo, em Brasília. Hermicesar é sócio da Prevident, empresa do ramo de saúde odontológica especializada em planos para servidores públicos. Na capital federal, a empresa chegou a ter um contrato com a Geap, plano de saúde dos servidores públicos federais ligado ao INSS. À época do contrato, o órgão era dominado pelo Progressistas.
Com o governo Jair Bolsonaro, militares foram nomeados no comando do plano de Saúde e expulsaram a Prevident, além de processá-la na Justiça. A PF chegou a abrir um inquérito para investigar a ligação dos contratos da Geap à influência do Progressistas, mas ele nunca andou.
O lobista da vacina e a ameaça do policial
A Prevident parceiros sócios próximos do lobista Francisco Emerson Maximiano, aquele que acabou denunciado pelo MPF por fraudes no contrato para fornecimento por R$ 1,6 bilhão para fornecer a vacina indiana Covaxin ao governo Bolsonaro. Em um relatório de Coaf, um empresário parceiro e subcontratado pela empresa apareceu tentando fazer uma operação de US$ 18 milhões em nome da Precisa Medicamentos, de Max.
Ele acabou justificando que a grana serviria para financiar a compra de testes a serem fornecidos pela Precisa ao governo do DF. Também não foi acusado de nada por investigadores. Outro personagem da CPI da Covid, o dono do Fib Bank, Marcos Tolentino, que deu garantias à Precisa, teve também uma relação com a Prevident, de Jose Hermicesar.
Quando a Prevident sofreu processos internos no governo em razão de questionamentos do contrato com o Geap, a empresa contratou Marcos Tolentino como advogado. Eles perderam os processos e se desentenderam. Tolentino disse à Polícia que foi ameaçado por um ex-delegado federal após ter perdido a briga para que devolvesse seus honorários.
Esse ex-delegado da PF e outros advogados do grupo aparecem na guerra pelo comando da Ambec ao lado de José Hermicesar.