A dúvida está se dissipando. Mais um pouco, o cerco se fecha e Jair Bolsonaro deverá entrar no rol de presos da Operação Tempus Veritatis, sob o império da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e anuência de Paulo Gonet, da Procuradoria Geral da República. Quais as consequências dos atos que ocorrem nesse momento de alta tensão, que se abre nessa temporada carnavalesca, com previsão de desfecho para os próximos meses? Distinguem-se alguns traços na paisagem nebulosa. Tentemos andar sobre as águas.
Primeiro: a tempestade que invadiu os espaços do bolsonarismo não é tão desconfortável ao ex-capitão do Exército como, a princípio, se apresenta. A Jair Bolsonaro interessa o acirramento das tensões, sabedor que o país ainda se encontra dividido, podendo ele manter a chama acesa o bolsonarismo e ganhar bom fôlego com a eleição de correligionários e simpatizantes, em outubro vindouro.
Segundo: caso o ministro Moraes, após investigações, decrete sua prisão, Bolsonaro ganhará o troféu de “vítima da perseguição” do Judiciário, elevando a bandeira do oposicionismo. Quer ser o ícone da oposição contra o lulopetismo, mobilizando tropas, puxando-as para a arena eleitoral, antecipando, desse modo, o pleito de 2026. Jair quer pôr fogo na fogueira social, sob a convicção de que Lula continua a ser o alvo de forças conservadoras que ganharam fôlego em anos recentes.
Terceiro: prejuízo maior cairá na conta do PL e de seu comandante, Valdemar da Costa Neto, preso por porte ilegal de arma e com respingos na imagem por causa de uma pepita de ouro, extraída do garimpo, e encontrada em sua residência. Se o PL perder sua vida por decisão do TSE, verá uma fuga em massa de seu corpo parlamentar, que se aproveitará da vacância para se acomodar em outros recantos. Bolsonaro assumirá papel relevante para “segurar” os incréus em sua égide.
Quarto: as Forças Armadas, com alguns de altos quadros presos ou denunciados, veem sua imagem no fundo do poço, numa das maiores crises já vivenciadas pela corporação. Perdem prestígio e terão de replanejar ações institucionais para recompor a identidade e firmar estacas no terreno do profissionalismo. O lema que deverão adotar nos próximos tempos será “doa a quem doer”, o que pressupõe colaboração estreita com a Justiça e renovação de lideranças.
Quinto: o governo lulopetista, que parece avolumar forças com as investigações sobre o golpe arquitetado por Bolsonaro e seu entorno, tende a permanecer com o mesmo estoque de poder, eis que terá de negociar amplos apoios no Congresso para aprovar pautas. É interessante observar que, apesar do leque de integrantes partidários na estrutura governamental, ainda se carimba o governo com a marca “lulopetista”. Lula, mesmo com o esforço de articulação, não tem conseguido “redesenhar” sua feição tradicional, ostentando o lema “nós e eles”.
Sexto: a Luiz Inácio interessa também impulsionar a polarização, convicto de que, em 2026, será mais fácil derrotar o candidato bolsonarista. Como se sabe, a punição do TSE tira Bolsonaro do pleito. O “golpismo” será impresso em todo o corpo bolsonarista e esta pecha será um novo divisor de águas. Por isso, o oposicionismo ao governo Lula III fenece, podendo se estiolar mais adiante, caso a economia despenque no desfiladeiro. A perda de confiança e, sobretudo, as perdas para o bolso do contribuinte haverão de ser o termômetro para medir a temperatura social.
Sétimo: não se veem nos horizontes traços de forte indignação das Forças Armadas, o que afasta a possibilidade de reação e reativação de um novo “movimento golpista”. Há, sem dúvida, uma ou outra contrariedade, mas a crença mais sólida é a de que o Brasil volta ao cenário mundial envolto na bandeira da democracia. Tal situação, por si só, desestimula reações golpistas. As FFAA investirão em seu profissionalismo.
Oitavo: o poder legislativo ganha força no meio do tiroteio. A mancha que respinga em alguns de seus membros não borrará a imagem deste Poder, na medida em que redescobre força para guiar e monitorar o trajeto da nave petista em tempos de borrasca. O Legislativo imprime seu carimbo nas páginas do Poder Executivo.
Nono: as eleições de outubro serão regadas pelas águas da polarização e formarão o gigantesco suporte para balizar as eleições de 2026.
Décimo: este analista troca sua recorrente projeção sobre o amanhã – SDS, Só Deus Sabe, para outra, parodiando a travessia de Jesus sobre as águas: JMCP – Jesus Mostra o Caminho das Pedrinhas.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político