Ouvi, outro dia, de um observador arguto da política, com livre trânsito nas rodas de conversa dos três Poderes da República, que o atual Congresso está a ponto de contrariar o que Ulysses Guimarães, presidente do MDB, da Câmara e da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 costumava dizer – a princípio com um sorriso de ironia, depois com ares de cansaço e de preocupação.
Sempre que alguém se queixava a Ulysses da baixa qualidade do Congresso de então, ele respondia:
“É porque você ainda não viu o próximo”.
O observador arguto da política é um otimista. Sem um pingo de ironia, falando sério, ele considera que o Congresso a ser eleito daqui a dois anos será menos ruim do que o que temos hoje. E por uma simples razão: pior do que o atual seria impossível. Mas não só. Seja qual for o candidato da direita em 2026, ele estará distante de representar o que Bolsonaro representou em 2018 e 2022.
No momento em que a democracia volta a ser alvo de ataques, desta vez patrocinado pela Internacional Fascista que mira o Supremo Tribunal Federal para desgastá-lo e evitar que Bolsonaro acabe preso, o que faz a Câmara sob o comando do deputado Arthur Lira (PP-AL)? Manda para o lixo o projeto de lei aprovado no Senado que regulamentaria o uso da internet pelas plataformas digitais.
Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo, dono do X, ex-Twitter, é uma das estrelas da Internacional Fascista que apoia Bolsonaro e que por ele é apoiado para que não haja regulamentação da internet em parte alguma. Na Europa, já há. Na China, onde Musk tem negócios, a internet funciona conforme o gosto do único partido que ali existe. Por que não barrar a regulamentação no Brasil?
Para isso, Musk não precisaria desacatar a justiça brasileira, mas ele o fez. Bastaria ter acionado sua trupe no Congresso e em outros meios influentes que compartilham seus valores. Ficaria menos exposto – mas quem disse que ele, um exibicionista nato, é contra a exposição? E não correria o risco de amargar prejuízos no país onde foi condecorado por Bolsonaro e onde tem muitos interesses.
Pressionado pelos líderes dos partidos de direita que contam com a maioria dos deputados na Câmara, Lira apelou para um velho truque. Quando não se quer que algo vá em frente, no Congresso ou no governo, anuncia-se a formação de um grupo de trabalho para estudar o assunto. Foi o que Lira fez. Segundo ele, o projeto de lei, na versão do seu relator, “foi polemizado”, e logo em ano eleitoral.
O grupo de trabalho tratará de rediscuti-lo “sem disputas político-ideológicas”. Mas como “sem disputas político-ideológicas” em um ambiente cada vez mais radicalizado? E que assim permanecerá até que sopre o vento da renovação – se soprar, como acredita o observador arguto? Lula disse um dia, e não faz muito tempo, que a democracia é relativa. Lira concorda plenamente com ele.
A regulação das redes vai cair no colo do Supremo, e aí se dirá que o tribunal se mete em tudo. Mete-se quando o Congresso abdica de suas responsabilidades, o que é comum. E ainda bem que se mete, como no caso de barrar as intenções golpistas de um presidente defensor da tortura e da ditadura. Lira e seus apaniguados assistiram ao avanço do golpe de olhos semicerrados. Não fosse o Supremo…