A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) investiga um esquema criminoso sofisticado que monitora o trajeto de qualquer motorista que cruza alguma das rodovias que cortam a capital do país. O “Big Brother do crime” conta com câmeras clandestinas instaladas em pontos estratégicos e registra, durante 24 horas, qualquer pessoa que seja alvo de “encomenda” feita aos gestores dos dispositivos de vigilância.
Após a deflagração da operação RockYou2023, que desarticulou uma quadrilha envolvida na revenda de dados sigilosos de altas autoridades da república, a 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte) passou a apurar outras violações da intimidade e privacidade da população do DF, entre elas, a venda de videomonitoramento de veículos.
Supostas empresas privadas de outros estados instalaram uma rede de câmeras pela cidade e efetivaram o monitoramento privado das rodovias do DF. Essas câmeras contam com leitores de caracteres (OCR) e programação de inteligência artificial, permitindo o reconhecimento de placas veiculares e, portanto, retirando fotos dos trajetos de rotina das pessoas.
Veja imagens das câmeras clandestinas e relatórios clandestino com o vazamento de dados:
Valores cobrados
As imagens obtidas com esse monitoramento indiscriminado depois seriam vendidas em websites por R$ 150 a consulta. Os anúncios dizem que o serviço seria para colaborar na recuperação de veículos subtraídos, mas o constatado pelos investigadores foi diferente.
Policiais da 9ª DP efetivaram a compra de um desses acessos e realmente conseguiram verificar a rotina de passagens do carro de um dos delegados da unidade. A equipe efetivou um cadastro em nome da figura natalina do Papai Noel, e depois do pagamento via Pix receberam por e-mail um relatório contendo as imagens de oito passagens do carro em vias do DF.
A facilidade na venda das informações por meio dos websites permitem que qualquer um, inclusive criminosos, possam acessar os dados e pesquisar placas e trajetos dos veículos de qualquer pessoa. Pela perspectiva visual das imagens capturadas, a equipe de investigação conseguiu inferir onde algumas das câmeras estariam instaladas e diligenciaram no local.
Mais câmeras
Em Taguatinga Norte, os investigadores encontraram em uma mecânica e em uma padaria câmeras instaladas e direcionadas para a rua, captando todo o tráfego do local. Em conversa informal, os proprietários disseram que estavam sendo pagos para deixar as câmeras nos seus estabelecimentos daquela forma, mas não sabiam bem ao certo quem gerenciava o fluxo de dados nem para onde as imagens iriam.
Os donos dos websites responsáveis pelas vendas aparentemente residem no Rio Grande do Sul (RS) e não esclareceram se teriam autorização para exploração econômica desse monitoramento clandestino no DF. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi publicada em 2018 tendo como fundamentos o respeito a privacidade e a inviolabilidade da intimidade.
De acordo com a PCDF, o monitoramento indiscriminado por empresas privadas sem supervisão do Poder Público é ilegal pois podem ser deturpadas e instrumentalizadas para outras finalidades. O acompanhamento on-line da rotina de carros pode ser usado para produção de dossiês, planejamento de atentados e violência de gênero como perseguições e stalking.
Relatório de inteligência
A 9ª DP está elaborando relatório de inteligência que será entregue à Secretaria de Segurança Pública (SSPDF), indicando o mapeamento das câmeras, bem como seus responsáveis e o critério e local de armazenamento das imagens coletadas.
Desde a operação RockYou2023, a 9ª DP também têm trabalhado em parceria com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) com vistas à aplicação de multas e interdição de empresas que violem os termos da LGPD.
As novas tecnologias de reconhecimento facial e videomonitoramento tem gerado grandes debates em todos os centros mundiais, demandando novos arranjos legislativos e limites à iniciativa privada na exploração econômica dessas ferramentas.