Sugiro que se revisite constantemente os 90 minutos de gravação de parte do que foi dito por Bolsonaro e seus meliantes na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, a três meses da eleição presidencial.
Há muitas lições a extrair-se dali. A principal, talvez: à cabeceira da mesa gigante de uma sala do Palácio do Planalto, estava uma pessoa que nunca se sentiu valorizada por seus semelhantes, civis e militares.
Naquela ocasião, uma das primeiras falas de Bolsonaro foi justamente sobre isso, por mais que ele tenha tentado disfarçar o ato confessional com o acréscimo da expressão “cagada do bem”. O que ele disse:
“Essa cadeira aqui é uma cagada estar comigo, uma cagada. Não vai ter outra cagada dessa no Brasil, cagada do bem, para deixar bem claro. Como é que alguém vai eleger um deputado fodido como eu? Um deputado de baixo clero, escrotizado dentro da Câmara, sacaneado, gozado, uma porra de um deputado”.
Quem se trata assim revela toda a carga de ressentimento que carregou por muitos anos, e ainda carrega. A declaração não trai o orgulho de quem superou as dificuldades; ele ainda se sente rejeitado até hoje.
Bolsonaro candidatou-se a presidente porque concluiu que nada mais tinha a fazer na Câmara depois de cinco mandatos como deputado federal do baixo clero, e que por sua insignificância quase nada fizera.
Estava de saco cheio. Não era ouvido. Não o levavam a sério. Era obrigado a apelar para a estridência como meio de chamar a atenção da imprensa – mas ela só lhe dava bola à falta de assuntos. Que assuntos? Qualquer outra coisa.
De resto, Bolsonaro candidatar-se a presidente beneficiaria a carreira dos seus filhos, que sem ele não iriam a lugar algum – um vereador do “partido do papai”; o outro, deputado estadual; o terceiro, deputado federal.
Mas deu-se a cagada e Bolsonaro se elegeu para sua surpresa; sem plano de governo, sem equipe para governar, sob a desconfiança de muitos que lhe deram o voto porque jamais o dariam ao PT, a Lula ou à esquerda.
Foi por isso que Bolsonaro chorou muito ao saber-se eleito na noite do segundo turno da eleição de 2018. Esperou que sua casa, na Barra da Tijuca, se esvaziasse e, na presença de poucos amigos, chorou.
Quatro anos depois, ante a derrota que julgava certa, ele quis reagir com a única arma que imaginou estar ao seu alcance: o voto? Não. O golpe. Elogiava o golpe de 64; só lamentava não terem morrido 30 mil pessoas. Agora, daria o seu.
A reunião do 5 de julho, e a seguinte com embaixadores estrangeiros, foram para ele preparar o espírito dos seus devotos e plantar a semente do golpe. Se bem-sucedido, seria sua redenção. Poderia marchar com a cabeça erguida.
Então, apelou aos ouvintes “que teriam muito a perder”:
“A gente vai ter que fazer alguma coisa antes. O que está em jogo é o bem maior que nós temos e contamos aqui na terra, que é a porra da liberdade. Mais claro, impossível”.
“Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes [ministros do Supremo Tribunal Federal]? Se acreditar, levanta o braço. Acredita que são pessoas isentas?”
“Daqui pra frente, quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar”.
E falou que a eleição estava sendo roubada pela Justiça. Que não adiantaria ele ter 80% dos votos porque são “eles [a esquerda] que irão ganhar as eleições.” Debochou de Dilma, a torrturada. E acusou Lula de ligação com o narcotráfico.
Ressentimento, meus senhores, mata. E pior: não mata apenas o ressentido. Tem um ressentido solto por aí que, se pudesse, tocaria fogo no país e jogaria a culpa na esquerda. Se deixarem, tentará outra vez.