São Paulo — No mês de abril, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) vai promover as eleições para a lista tríplice ao cargo de procurador-geral de Justiça. Em pleitos anteriores, mulheres chegaram a ocupar a lista, mas nunca foram nomeadas ao cargo por governadores.
Nas próximas eleições, a procuradora de Justiça Tereza Exner, que foi Corregedora do MPSP, é a única candidata mulher à lista.
“Ainda vemos isso com alguma surpresa, né? Pôxa, ao longo de todos esses anos apenas duas outras colegas se candidataram a procuradoria geral, ambas integraram a lista tríplice mas não foram nomeadas e eu sou a terceira candidata”, diz. Apesar disso, afirma que o MPSP tem aumentado a presença de mulheres ao longo dos anos.
De outras provocações, defende seus pares e evita críticas aos pares. Diz não ver, por exemplo, submissão entre o órgão e o governo estadual, que tem longo histórico de fazer membros do MP saltarem para a política. Mesmo assim, defende discussão sobre quarentena a promotores e procuradores.
Em meio a um governo cuja base de apoio rechaça o uso de câmeras em policiais e o próprio governador, ora as critica, ora as defende, a procuradora afirma que ser defensora do equipamento. “Reduzem a letalidade, dão transparência e protegem o trabalho dos policiais”, afirma.
O Metrópoles pediu entrevistas aos cinco candidatos à Procuradoria-Geral de Justiça. A eleição da lista tríplice que será enviada ao governador será em abril. Nas últimas semanas, foram publicadas entrevistas com os procuradores José Carlos Bonilha, Paulo Sergio de Oliveira e Costa e Antonio Carlos da Ponte. Leia, a seguir, a conversa com Tereza Exner.
Se a sra for eleita à lista tríplice e escolhida pelo governador, será a primeira mulher a assumir o cargo de procuradora-geral de Justiça. O que isso diz sobre o Ministério Público?
Essa luta para tornar efetiva a Constituição no sentido de dar reais espaços de poder a toda e qualquer minoria, hoje, ainda sub-representada, ou até não representada, é uma luta que existe na sociedade, e o Ministério Público é parcela da sociedade. Então, essa é uma luta que se dá aqui dentro também. É uma carreira em que o número de mulheres vem aumentando cada vez mais. Nos últimos concursos, há praticamente uma paridade entre homens e mulheres aprovadas. Não tenho dados específicos, mas acredito que hoje estejamos em 60% de homens e 40% de mulheres. Da minha parte, por exemplo, o que eu penso nós temos que naturalizar isso. Ainda vemos isso com alguma surpresa, né? Pôxa, ao longo de todos esses anos apenas duas outras colegas se candidataram à Procuradoria-Geral de Justiça, ambas integraram a lista tríplice, mas não foram nomeadas, e eu sou a terceira candidata. Entender isso eu acho que é entender um pouco a sociedade na qual nós estamos inseridos. Ainda é uma sociedade que muito dificulta o acesso a essas parcelas todas, as minorias, mulheres, negros, a espaços reais de poder. Então essa é uma luta fazendo cada vez mais intensa e eu acho que nesse momento estou como representante, claro, não só das mulheres de todos os integrantes do Ministério Público até porque me coloco como candidata, não por ser mulher, mas, também, é óbvio, por ser mulher. E também pela minha experiência de 37 anos no Ministério Público e pelas funções que ocupei como corregedora e integrante do Órgão Especial.
O Estado de São Paulo tem longo histórico de procuradores-gerais que vão parar no governo estadual. Se o senhor tivesse a oportunidade, seria mais um nessa lista? Isso passa uma ideia de proximidade excessiva do MP com o Executivo?
Eu entendo que não, até porque pelo menos dentro do Estado de São Paulo não tivemos nenhuma demonstração desse tipo de de submissão. Eu penso que a relação com o governador do Estado eleito democraticamente deve ser profissional, cordial, independente, sem nenhum tipo de vinculação política. As boas iniciativas do governo em cada área são e sempre serão sempre muito bem-vindas e reconhecidas pelo Ministério Público. Mas é nosso dever exercer nosso papel de fiscalização, com a devida regularidade. Então eu não vejo isso com uma necessária a relação [de subserviência], e, claro, os convites que são feitos também pelas qualidades dos colegas, que têm essa disposição de assumir outras funções. Não é a minha vocação. A minha é o MP, onde estou há 37 anos. Eu nunca saí da carreira, pude exercer as minhas atividades na ponta e depois em outras funções, mas sempre dentro do Ministério Público. Eu acredito que da mesma forma que o ministro Supremo é escolhido pelo presidente, a partir do momento em que ele põe a toga, ele vai exercer o seu múnus com todo profissionalismo, e assim deve ser conosco.
Também houve um histórico recente de saída de membros do MPSP para a política eleitoral. O que a senhora acha da quarentena para Procuradores e promotores de Justiça?
Primeiro, com relação à saída para a disputa de pleitos eleitorais, para que o colega possa sair candidato, ele precisa ter entrado na carreira anteriormente a 1988. Depois disso, só mesmo se exonerando ou se aposentando. Com relação à quarentena, especificamente, eu acho embora não exista uma previsão legal, é algo importante e que pode ser estabelecido e discutido. Eu acho que é um tema importante de discussão da classe. Eu sou favorável, é algo importante até para evitar essa visão às vezes enviesada [sobre a atuação do MP].
O MPSP tem ido ao STF com alguma recorrência para combater decisões das Cortes Superiores. A sra vê necessidade hoje de combater, no STF, algum precedente que esteja atingindo investigações?
Eu acho fundamental que a gente possa levar e apresentar aos ministros a realidade de São Paulo, com dados, números estatísticos, eu acho isso imprescindível, até porque cada estado tem a sua realidade própria. Essa presença constante nas contas superiores levando as nossas demandas, porque as nossas demandas tão também da sociedade, nós somos Defensores da sociedade. Pretendo também manter presença, em casos que sejam importantes, no âmbito criminal por exemplo, que envolva questão de organizações criminosas, envolvendo corrupção, tenho certeza da absoluta necessidade de fazê-lo, e me proponho a fazê-lo também. O Ministério Público precisa ser ouvido. A participação do MP é imprescindível, nós temos que ter voz. A nós, cumpre a proteção de todas essas vítimas da violência que são pegas indo e voltando do seu local de trabalho, saindo muitas vezes tarde da noite da escola e sendo vítima de roubo, latrocínios, estupro. Nós somos um defensores dessas vítimas.
Na área criminal, principalmente, há juízes e colegas seus de MPSP reclamando de decisões que têm, segundo eles, minado investigações sobre crimes. Citam, por exemplo, a rigidez maior para aceitar provas advindas de entradas de policiais em residência sem mandado, mas com autorização de moradores. A sra faz parte dessa grita sobre o comportamento das Cortes Superiores?
Eu acho que desde que a abordagem seja feita de uma forma legal, ela tem que ser respeitada. Muitas vezes, eu vejo muito a necessidade – e nisso eu tenho um contato com os colegas e eles têm sentido muito também – de o MP investir cada vez mais na no uso de recursos tecnológicos que nos permitam apresentar um trabalho ainda mais eficiente. Com relação a essa questão de de abordagem policial, eu acho que está começando a ter um certo temperamento por parte das cortes superiores, e eu acho que esse é o movimento que nós temos que estar presentes em mostrar essa necessidade, porque existem algumas decisões que realmente causam algum tipo de incompreensão. Então, nós temos que cada vez mais estarmos afinados e levando dados. Eu acho que para você mudar toda essa situação. Temos aí situações e você sabe tão bem quanto eu, a questão por tráfico de drogas, por exemplo. Pessoas surpreendidas, às vezes, com toneladas de drogas e que recebem um benefício do tráfico. Parece uma questão de lógica: alguém que está envolvido de transportar toneladas de drogas, evidentemente ele faz parte de uma estrutura organizacional criminal criminosa, ele não vai entregar algo de valor expressivo a alguém que não faça parte de um de um grupo criminoso. Então eu acho que essa é uma questão realmente importante, interessa ao Ministério Público interessa muito a sociedade e nós temos que estar atentos.
E dentro do MPSP? O que deve mudar?
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O MP cresceu muito nos últimos ano spor conta das novas atribuições que passamos a ter a partir de 1988, também pelo crescimento da população e das demandas sociais. Eu entendo ser necessário investir na estrutura da instituição a fim de racionalizar as tarefas. O MP é preciso que conte com uma formatação enxuta, eficiente, a fim de que o trabalho de cada setor, de cada colega, possa ser executado de forma a oferecer respostas resolutivas às demandas da sociedade. Eu acho importante também o que o procurador-geral seja cada vez mais acessível aos promotores e procuradores. A construção de parcerias mais amplas com universidades para que possamos obter recursos tecnológicos que viabilizem o nosso trabalho, também uma maior desburocratização da instituição. Como corregedora, em correições pelo Estado, encontrei muitas dificuldades que ainda algumas promotorias encontram. Questões pendentes que às vezes têm uma solução demorada para melhor funcionamento. É preciso de apoio, infraestrutura, necessidade de mais analistas, mais servidores. Isso tudo de forma a cuidar sempre a necessidade da sociedade, mas buscando melhores condições de trabalho, quer seja para os promotores quer seja para os servidores também, que são importantes.
A respeito dos servidores, o Metrópoles publicou reportagens com denúncias de assédio e até casos de suicídio entre eles. A sra já foi Corregedora do MPSP. Como vê esses casos?
É uma questão muito sensível e importante. Dentro do MP hoje eu não participo da administração superior, mas nós temos vários núcleos que foram formados no sentido de dar apoio a servidores, de espaço para debate sobre essas questões, de assédio, de burnout, ou de dificuldade de ambiente de trabalho. Então, isso vem sendo feito e tenho um compromisso de manter, porque acho que é muito importante e, realmente, a partir do momento que sai uma denúncia dessa é preciso agir imediatamente. É se alguma coisa que o MP não pode ser é omisso. Então, uma atuação, digo, da minha parte, sendo eu a PGJ, eu vou agir de imediato. Agora, eu acho que houve ali é uma questão que me deixa um pouco intrigada. Por que se falava em assédio, mas os canais de acesso, via Corregedoria, porque se é um assédio praticado por um promotor, quem vai cuidar disso é Corregedoria, ninguém foi dizer o nome. Para que você puna, além desses canais que se tem para que essas denúncias sejam ventiladas e apuradas, precisa de nome. Se não tiver, parece que nós temos uma instituição toda assediadora, o que realmente não condiz com a realidade. Não estou dizendo que não há falhas, toda instituição tem, e não será a nossa que não teria até porque somos formados por humanos. É importante que a denúncia com o nome para não ficar naquela coisa de poder ser qualquer um. E se for qualquer um, então não é ninguém, e os casos acabam não sendo apurados. Sei das dificuldades que muitas vezes envolve fazer essas denúncias. Bem sei, mas é preciso fazer até para que o caso não se repita. Penso que devemos estar abertos.
Hoje, o MPSP aposta muito nos Grupos de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) para o combate às organizações criminosas e o PCC. Mas eles não estão em todas as cidades, e mesmo em cidades muito assoladas pelo tráfico. O que deveria melhorar no combate ao PCC, que é uma facção nascida em São Paulo e, hoje, transnacional?
O PCC é uma uma das organizações criminosas existentes, em São Paulo, e não só, em todo o país já se espalhando inclusive para outros países. Eu acho que o importante é destacar a importância do combate a essas organizações criminosas. A atuação nessa área também envolve combate à corrupção. Nós temos que agir sempre tendo essa visão. E o Gaeco, no caso do Ministérios Públicos de São Paulo, vem apresentando alguns ótimos resultados. Esses grupos devem receber todo o suporte necessário para que continue exercendo suas funções, com estabelecimento de metas em todas as regiões do Estado. E sem prejuízo ainda de ações coordenadas, que venham a contar inclusive com outros Ministérios Públicos e com as demais instituições da Segurança Pública. O PCC tem que ser enfrentado, nós devemos trabalhar com as leis existentes , com recursos tecnológicos, com ações estratégicas e coordenadas para poder asfixiar esse braço criminoso trabalhando em todas essas frentes tanto nas questões criminais quanto na corrupção, porque a gente sabe que essas organizações criminosas querem se espalhar e se enfronhar em vários espaços de poder, então nós precisamos ter essa atenção e melhorar cada vez mais a qualidade do nosso trabalho.
A sra mencionou bastante as investigações sobre corrupção. Nos últimos anos, o MPSP atuou em várias no primeiro grau, como os casos eleitorais advindos da Lava Jato e máfias como a do ICMS. Mas por que ele é tão tímido em sua competência para investigar detentores de foro privilegiado, como deputados, juízes e membros do MP?
Eu não participo da administração, eu nunca participei da administração, apenas como corregedora, que as minhas atividades e funções eram totalmente outras. Posso te dizer que eu, como procuradora Geral de Justiça, chegando à minha mesa qualquer denúncia, haverá apuração rigorosa imediata e as providências serão tomadas, sempre com base na legalidade no respeito às garantias constitucionais. Uma vez apurado e comprovado o envolvimento as medidas serão tomadas. Então, o que eu posso dizer é por mim. É o que eu farei.
O MPSP faz controle externo da atividade policial. Nos últimos dias, São Paulo está passando por uma alta de mortes por policiais no litoral sul em razão da Operação Escudo. Nem sempre as câmeras em uniformes de policiais estão sendo usadas. O que deve fazer o MPSP em um cenário como este? E o que a sra acha do uso das câmeras?
Sobre o caso específico mencionado, eu não posso, inclusive por lei, me manifestar a respeito de casos que não são de minha atribuição. Dados estatísticos mostram que as câmeras corporais vem trazendo redução da letalidade, transparência e proteção mesmo para os policiais. Até para evitar que o policial sofra acusações injustas de uma abordagem indevida. Isso lembrando ainda que é mais instrumento probatório muito importante para a gente. Recentemente, atuei em um caso de tráfico, ali havia uma alegação feita de que foi uma abordagem ilegal, houve um emprego de violência, e eu fui ver o link para a gravação da câmera corporal. Assisti, e era uma abordagem absolutamente regular, né? Então, isso eu digo que se torna um instrumento probatório porque diante daquelas alegações fica mais fácil dizer: Olha, veja o que está gravado ali das imagens das câmeras e acabou. Não há o que dizer. É uma imagem. Contra imagens gravadas não há argumentos. Sou a favor do uso das câmeras, que garantem a confiabilidade e reconhecimento maior ainda ao trabalho da polícia.
Em sua campanha, e na de seus pares, como usual, deve aparecer novamente a pauta corporativa do MP, que envolve remunerações, créditos a pagar. Isso também acontece no Judiciário. Essas carreiras já não ganham muito, inclusive acima do teto constitucional? Com a ênfase nesse tema, qual recado o MP passa quando suas eleições focam demais nisso?
Eu acho que a defesa de vencimentos ou de remunerações em qualquer âmbito, nas carreiras de estado, são sempre naturais, e incluo o MP. Nós temos, aí como você disse, essa é uma questão que se coloca para nós e para outros. Eu acho importante enfatizar é que nós respeitamos o teto constitucional. Os acréscimos realmente que sempre se discutem, muitos deles são decorrentes de indenizações decorrem do não adimplemento do passivo que cada membro tem em situações que são individualizadas e que acabam gerando um pagamento mensal, que, às vezes, leva à falsa ideia de que não se respeita o teto de vencimento. Mas é um pagamento assim: é como se você tivesse entrado com uma ação contra alguém que te deve e essa pessoa não tem um dinheiro para te pagar, ela vai te pagar mensalmente. É o que muito acontece, né? Agora é eu o importante de mencionar que tudo que é pago é fruto de decisões ou judiciais ou administrativas nascidas em órgãos superiores, e que nós temos que aplicar por questão de equidade, e não podemos sequer em deixar de cumprir.