Com a abstenção dos EUA, o Conselho de Segurança da ONU finalmente aprova uma resolução na qual é demandado que um “cessar-fogo imediato” seja determinado em Gaza. A trégua valeria durante o mês sagrado do Ramadã, durante o qual governos da região, potências, Israel e o Hamas tentariam chegar a um acordo permanente. O texto ainda determina a libertação imediata dos reféns mantidos pelo Hamas e a abertura de Gaza para ajuda internacional.
Foram 14 votos de apoio ao texto e uma abstenção, do governo de Joe Biden. O gesto americano marca uma mudança importante em sua posição e a confirmação de um racha entre Joe Biden e Benjamin Netanyahu. A aprovação coloca pressão sobre Israel, mas também sobre o Hamas.
Essa foi a quinta tentativa de votar um cessar-fogo num conflito que já fez mais de 32 mil mortos. A aprovação na ONU ocorre no momento em que as negociações de trégua mediadas pelos EUA, Catar e Egito são conduzidas em Doha.
O voto foi seguido de um raro aplaudo no Conselho, já abalado por meses de paralisia.
Na sexta-feira, uma proposta dos EUA havia sido vetada pela China e Rússia. O texto do governo Biden falava na exigência de que a suspensão das hostilidades fosse seguidas por uma libertação dos reféns israelenses, mantidos pelo Hamas. O texto ainda determinava o fim do financiamento ao grupo palestino, por parte de atores estrangeiros.
Para o embaixador palestino, Riyad Mansour, a resolução americana “não significava que um cessar-fogo ocorreria”.
Para que o novo texto fosse aprovado, negociações nas últimas horas conduziram a algumas mudanças na resolução, originalmente proposta por oito países e apoiada pelos palestinos, russos e chineses.
Os americanos pediram que fosse incluída uma referência às exigências de que os reféns mantidos pelo Hamas fossem liberados, além de uma condenação explícita aos atos do grupo palestino.
Durante o fim de semana, o governo Biden fez questão de dizer que apenas apoiaria uma resolução que condicionasse o cessar-fogo à liberação dos reféns. Mas governos estrangeiros alertaram que, com essa exigência, o que poderia ser visto seria o sequestro de um avanço em qualquer uma das áreas dependentes do progresso em outras. No fundo, tudo ameaçaria ficar bloqueado.
Nas negociações, os demais membros do Conselho insistiram que tanto o cessar-fogo quanto a liberação dos reféns era importante e que deveriam ser citados. Mas sem condicionantes.
No domingo pela noite, o governo Biden apresentou mais uma condição. A Casa Branca exigiu que o termo “cessar-fogo permanente” fosse substituído por “cessar-fogo duradouro”. Caso contrário, poderiam vetar a resolução.
Os russos tentaram impedir a mudança e propuseram uma emenda para restabelecer o termo “permanente”. Moscou alegou que a mudança tornaria o texto mais fraco e que Israel poderia restabelecer a ofensiva a qualquer momento. Mas a iniciativa não foi aceita e o texto foi mantido com a linguagem dos EUA.
Israel ameaça EUA
A pressão ocorreu até o último momento. Instantes antes do voto, o governo de Benjamin Netanyahu ameaçou suspender a ida de uma delegação para Washington, caso os EUA não vetassem a resolução. A viagem tinha como objetivo debater alternativas para que Israel não realizasse uma operação militar em Rafah e que, para a ONU e mesmo Biden, teria consequências “catastróficas” para os palestinos.
No texto final, ficou estabelecido que o Conselho da ONU:
“Demanda um cessar-fogo imediato pelo mês de Ramadã, respeitado por todas as partes e que conduza a um cessar-fogo duradouro, e demanda também a liberação imediata e incondicional de todos os reféns”.
O documento ainda determina que deve haver um acesso garantido para as ajudas humanitárias e todos devem respeitar o direito internacional.
O governo Biden também queria que o texto trouxesse um endosso ao processo negociador que os EUA realizam, ao lado de Egito e o Catar. Mas os demais países resistiram, principalmente por não se tratar de uma proposta multilateral ou dentro do quadro da ONU.
EUA mudam de posição
Na ONU, a aprovação foi interpretada como um reconhecimento implícito por parte da administração de Joe Biden de que as imagens dos mortos em Gaza e o apoio às ações de Benjamin Netanyahu estavam começando a abalar a credibilidade do presidente, tanto nos EUA como no cenário internacional.
Biden enfrenta eleições e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos.
O UOL apurou que, em outubro, a diplomacia americana procurou o Itamaraty para alertar que, como presidente temporário do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil deveria evitar envolver o organismo na questão de Gaza.
O argumento era de que a diplomacia seria feita nos bastidores, e não em atos públicos. À medida que a guerra se estendia, embaixadores brasileiros e de outras partes do mundo passaram a questionar a efetividade real das negociações conduzidas pelos EUA.
Nas últimas semanas, a UE rompeu seu silêncio e também passou a pedir um cessar-fogo em Gaza.
O Conselho de Segurança já aprovou duas resoluções sobre Gaza, desde o dia 7 de outubro quando o Hamas atacou Israel. Mas nenhuma delas pedia um cessar-fogo.
O Hamas também é alvo de pressões por parte de seus aliados na região, que temem que a guerra saia de controle e afete a estabilidade de regimes em diferentes partes do Oriente Médio e do Golfo.
Em declarações para a reportagem do UOL, altos funcionários da ONU viram a decisão com um “gosto amargo”. Nas primeiras tentativas de se propor um cessar-fogo, lideradas pelo Brasil em outubro de 2023, a guerra havia feito 3,2 mil mortos. Hoje, são dez vezes mais.
Os dados da entidade também revelam a dimensão da destruição até agora:
57% dos palestinos sem emprego, incluindo na Cisjordânia
35% de todos os prédios de Gaza destruídos ou abalados por bombas
Ainda assim, a ONU quer aproveitar a aprovação da resolução para mover rapidamente uma operação de resgate dos mais de 2 milhões de palestinos. A entidade estima que a fome é “iminente” na região, que viu sua produção agrícola arrasada.
Um dia antes da votação, a ONU alertou que “as pessoas em Gaza, especialmente no norte, estão enfrentando níveis chocantes de doenças e fome”.
A entidade alertou que está sendo “repetidamente impedidos de fazer nosso trabalho, especialmente no norte sitiado”. “Os riscos à segurança, os bombardeios incessantes, o colapso da ordem civil e as restrições de acesso continuam a impedir a resposta humanitária”, completou