Como um brasileiro se envolveu no racha sangrento da cúpula da Yakuza

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São Paulo — O brasileiro Alexandre Hideaki Miura foi preso na noite do último domingo (10/3) após quase dois anos foragido por participar de uma sangrenta trama de vingança entre membros do alto escalão da máfia japonesa Yakuza. O crime foi cometido há mais de duas décadas, ao lado de cinco integrantes do grupo criminoso, sendo três brasileiros. Todos foram condenados em 2022 pela morte de um empresário dono de boates no Japão.

O racha que terminou em morte teve início em 2001, quando o mafioso Hindenori Yamakoa teve sua casa noturna tomada pelo empresário Harumi Inagaki, que viria a ser vítima do crime. Ele chegou a ir até o seu rival e ameaçá-lo com uma arma para que entregasse 15 milhões de ienes — o equivalente, hoje, a meio milhão de reais.

Harumi levou o caso à alta cúpula da Yakuza, que lhe deu razão e decidiu castigar fisicamente Hindenori e impor a ele a devolução do dinheiro e uma multa de cinco milhões de ienes. Antes do episódio, chefões da máfia tinham Hindenori em alta conta e tudo estava certo para promovê-lo ao posto de número dois da máfia, o que acabou sendo cancelado pela cúpula.

Em depoimento, um sócio de Hindenori afirmou que o recebeu após a punição. Ele estava com o cabelo raspado e disse temer que a Yakuza lhe arrancasse um dedo. Hindenori guardou rancor e arregimentou brasileiros e japoneses para sequestrar Harumi e lhe arrancar bilhões de ienes que, segundo ele, ficavam em um cofre em seu apartamento.

Plano de sequestro

O plano foi elaborado durante um cruzeiro para a Coreia do Sul, entre amigos. Tudo foi roteirizado. O local para o cativeiro seria o imóvel de uma empreiteira de um sócio de Hindenori. Os brasileiros Marcelo Yokoyama e Alexandre Hideaki Miura trabalhavam à época para essa empresa.

Em depoimento, eles afirmaram que foram enganados e coagidos a participar do crime. Essa tese, cuntudo, foi derrubada na Justiça. Todos os outros depoimentos de envolvidos que confessaram participação na trama afirmaram que aos brasileiros foram prometidos, inicialmente, 200 mil ienes para participar do sequestro.

O valor era baixo e, por isso mesmo, um dos recrutadores disse: “Esse serviço é um serviço que vale bilhões de ienes. Por isso, se esforcem. Se tudo der certo, vou acrescentar mais para vocês, tirando da minha parte”. Tudo era traduzido para o português durante a conversa para que ficasse bem entendido.

“Sabiam que iríamos atacar um ricaço, que tem grande quantidade de dinheiro (…). Estava previsto que íamos fazer coisas terríveis, como atacar e sequestrar o seu [Harumi] Inagaki (…). Era uma coisa esperada”, disse um dos japoneses, sobre a participação dos brasileiros.

Em uma primeira tentativa de sequestrar Harumi, o grupo se amedrontou com seu tamanho, e a possibilidade de tomarem uma surra, e desistiu da investida. Àquela altura, eles haviam comprado uma arma de eletrochoque e um cacetete para imobilizar o empresário.

Em uma nova emboscada, equiparam-se com pistolas, tacos de golfe e beisebol, uma chave de roda e um pé de cabra. Eles se vestiram de trabalhadores da construção civil e se postaram como se estivessem em uma obra em frente à residência de Harumi.

Quando Harumi desceu do táxi em frente a sua residência, em Nagoya, segundo um dos acusados que confessaram o crime, foi dado o “ok” para que os quatro brasileiros arregimentados partissem para cima dele. Mesmo sob uma chuva de socos, pontapés e pauladas com tacos, o empresário resistiu e os brasileiros saíram correndo.

Foi quando um dos japoneses puxou a arma e deu o primeiro tiro contra Harumi. Ele caiu e, percebendo a vantagem, os brasileiros voltaram e partiram para cima dele para imobilizá-lo e colocá-lo no porta-malas do carro do grupo. Mas a vítima reagiu e eles não conseguiam arrastá-la para o veículo.

Com receio de que a polícia estivesse chegando, o japonês do grupo deu um tiro na nádega de Harumi e os criminosos conseguiram, enfim, colocá-lo dentro do carro. A pancadaria e os tiros fizeram com que o empresário acabasse morrendo de hemorragia nas mãos de seus sequestradores.

De seus bolsos e roupas, os sequestradores tiraram 1,6 milhão de ienes, além de um colar e um relógio valiosos. Ainda se aproveitaram do fato de que a mulher do empresário não sabia de sua morte e enviaram uma carta para ela exigindo cinquenta milhões de ienes para o resgate.

Alguns dias depois, para sumir com as provas do crime, o grupo jogou o corpo de Harumi dentro de um barril de óleo e, então, encheu o recipiente de cimento. O cadáver concretado dentro do barril foi atirado nas profundezas de um rio em Nagoya.

Alexandre Hideaki Miura fugiu para o Brasil dias após o crime. Ele e Marcelo Yokoyama foram condenados a 30 anos de prisão pela Justiça Federal de São Paulo, em julho de 2022, em um processo que atendeu a um pedido de cooperação internacional de autoridades japonesas ao Brasil.

Eles chegaram a ser presos preventivamente no Brasil, entre 2017 e 2020, mas acabaram sendo soltos para responder ao processo em liberdade. No último domingo, Alexandre foi preso por policiais militares que faziam patrulha no Itaim Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo. Ao ser abordado, ele confessou ter participado do crime e foi encaminhado à Polícia Federal (PF).



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