Uma investigação de mais de seis meses do Ministério Público de Goiás (MPGO) chegou a 16 nomes de pessoas suspeitas de crimes que vão desde grilagem de terras, corrupção passiva e ativa, associação criminosa, tráfico de influência e ameaça armada. Entre os denunciados, estão empresários de alto poder aquisitivo, políticos, advogados e funcionários públicos.
Eles são acusados de crimes que envolveram práticas como a fabricação de um projeto de lei em benefício próprio, a compra de espaços em jornal para manipulação de informações, o uso de laranjas e a falsificação de assinaturas de quem já morreu, por exemplo. Apontado como um dos cabeças dos esquemas, o empresário D’Artagnan Costamilan, 72 anos, está preso e já teve pedido de habeas corpus negado até por instâncias como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
As investigações do Ministério Público goiano mostraram que D’Artagnan usava a sua riqueza para construir um círculo de relações que garantiam influência e poder em Goiás, facilitando a apropriação de terras. Um exemplo desse prestígio comprado veio dias antes do empresário ser alvo da primeira fase da operação Escritório do Crime, deflagrada pelo MP, quando ele foi homenageado na Câmara Municipal de Sombrio (SC) pela “atuação como precursor na região em empreendimentos imobiliários”.
Modus operandi
O objetivo principal dos suspeitos, segundo a denúncia do MPGO, era se apossar ilegalmente de áreas públicas e privadas no município de Formosa (GO), falsificando documentos do legítimo proprietário a fim de promover a transferência do imóvel para D’Artagnan, dono de um condomínio de luxo na região. Isso ficou provado na análise documental de materiais apreendidos pela operação no escritório do empresário.
Com vários casos analisados, o promotor de Justiça Douglas Chegury concluiu, na denúncia, que a intenção do investigado era “tomar, invadir e esbulhar o máximo possível, senão a totalidade da área defronte ao seu empreendimento Condomínio Santa Felicidade, para desenvolver ali outro de mesma natureza ou similar”.
As provas apuradas apontam casos de 2003 até 2023, duas décadas em que ele teria se associado ao advogado Nilson Ribeiro dos Santos e a sócia Angelita Rosso Giuliani para cometer os crimes. Uma situação emblemática aconteceu em 2019, data em que o grupo fez com que um homem que morreu em 2015 “assinasse” uma procuração outorgando poderes para vender um lote de 3.243 m², área pouco menor do que metade de um campo de futebol.
Na ocasião, Anderson Juvenal de Almeida, apontado como falso corretor, se beneficiou de um instrumento público de procuração outorgando poderes para que pudesse vender o lote. O documento foi assinado em 16 de janeiro de 2019, em teoria, por Roberto Ribas Filho.
Dez dias depois, utilizando a procuração, Anderson vendeu o lote para D’Artagnan Costamilan. Roberto, porém, morreu em 6 de janeiro de 2015, aos 50 anos, e foi cremado em Valparaíso (GO), como mostra a certidão de óbito. A assinatura que consta no documento de 2019 ainda difere daquela que Roberto escreveu quando abriu uma agropecuária em 2007.
Assinaturas diferentes em procuração analisada em caso de grilagem (2)
Assinaturas diferentes em procuração analisada em caso de grilagem (1)
Atestado de óbito de Roberto de 2015
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A apuração coloca Anderson como um comparsa do grupo que tinha como tarefa a identificação da situação de abandono ou descuido dos lotes que eles pretendiam se apropriar. “Posteriormente a tal identificação, por meio da falsificação de documentos pessoais dos legítimos proprietários, vivos ou já falecidos, junto a diversos cartórios, são promovidas procurações ideologicamente falsas e posterior registro dos lotes em nome de D’Artagnan e suas empresas”, traz a denúncia.
Em julho deste ano, cumprindo mandado de busca no escritório de Nilson, a Polícia Civil de Goiás se espantou ao não encontrar nada para ser apreendido. Ou seja, o alvo da investigação não tinha sequer um computador no seu próprio escritório de advocacia.
De político a funcionário público
No grupo de 16 denunciados, chama atenção a presença de três ex-vereadores e dois funcionários públicos. Os políticos, que atuaram na Câmara de Vereadores de Formosa (GO) entre 2017 e 2020, são: Wenner Patrick de Sousa (Avante), Almiro Francisco Gomes (Podemos), o “Miro Bikes”, e Jurandir Humberto Alves de Oliveira (PSC).
O trio teria atuado na Câmara em benefício de D’Artagnan em diversas ocasiões, como quando conseguiram alterar até o Regimento Interno da Casa para criar uma comissão inédita, em dezembro de 2017, de regularização fundiária, que se mostrou ser uma comissão fantasma, feita para atender aos desejos do empresário.
Durante busca e apreensão no escritório de D’Artagnan, foram encontrados documentos em branco, com timbre da Câmara Municipal, que favoreciam a ele mesmo, prontos para receberem a assinatura dos ex-vereadores. Junto a essas provas, está anexado ainda um papel indicando possíveis pagamentos aos políticos.
Também chama atenção um projeto de lei encontrado no mesmo escritório. O texto “autoriza o Poder Executivo a implantar o Programa Municipal de Apoio e Incentivo ao Desenvolvimento Econômico no âmbito do município de Formosa”. Fabricado pelo empresário, ele já estava “pronto”, apenas com “xxxx” no local que indica o nome do vereador autor do projeto.
A investigação apontou que um vereador da atual legislatura, Israel de Assis Alves (Agir), o “Índio de Assis”, foi cooptado a apresentar a proposta. O projeto tenta emplacar até isenção parcial de IPTU para condomínios, o que beneficiaria diretamente D’Artagnan. Veja:
Já entre os funcionários públicos, foram denunciados Carlos Glauber Martins Ferreira, Superintende Municipal de Trânsito de Formosa, morador da região, e Gustavo Henrique de Araújo Eccard, servidor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), vinculada ao Ministério da Infraestrutura, morador do Lago Norte (DF).
Carlos é suspeito de cometer os crimes de falsidade ideológica, prevaricação e fraude processual. Segundo o MPGO, em maio deste ano, ele “inseriu em documento público informação falsa para favorecer D’Artagnan”. Se tratava de um parecer emitido pelo funcionário público, em nome da Superintendência Municipal de Trânsito, que resultou na retirada de vendedor de castanha instalado em uma área de interesse do empresário.
Já Gustavo, entre 2021 e 2023, “associou-se com o fim de cometer crimes com os também denunciados Nilson Ribeiro e Anderson Juvenal para se apossar de área avaliada em R$ 7 milhões, situada no Setor Industrial de Formosa (GO). O caso foi noticiado pelo Metrópoles em agosto.
O esquema do trio foi descoberto por um funcionário do cartório de Planaltina (DF), que desconfiou da veracidade de uma documentação apresentada. O grupo forjou procurações em dois cartórios em nome da legítima proprietária do imóvel milionário, moradora de São Paulo, que tinha aquela área desde a década de 1970.
Em ofício, o tabelião citou que encontrou na base nacional de clientes do notariado “informações referentes à mesma pessoa que conflitavam com os documentos apresentados”. “A foto constante apresenta certa divergência em relação à imagem da pessoa que compareceu no cartório.”
A verdadeira proprietária do lote foi identificada, localizada e ouvida pelo Ministério Público de Goiás em São Paulo. Ela negou ter outorgado as procurações e afirmou que não conhece e nunca viu o advogado e o empresário que tentavam promover a fraude.
Ameaça armada
Além de autores intelectuais, as investigações mostram a suspeita do uso de um possível “capanga” de D’Artagnan. Flávio Rodrigues Pacheco, policial militar aposentado, ex-comandante do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT), é apontado em ocorrência registrada na Polícia Civil do estado como autor de ameaças contra uma vítima dos esquemas de terras de Formosa.
Em mais de uma situação, Flávio teria ameaçado um homem cujo terreno estava sendo desejado por D’Artagnan. No caso mais grave, em março de 2023, a vítima estava fotografando a área do lote em litígio quando foi abordado por Flávio, que passava de carro, como detalha a ocorrência policial.
“O depoente afirma que estava fotografando um local público, e Flávio afirmou que ele não poderia tirar fotos do local, uma vez que era de propriedade de D’Artagnan. O depoente afirma ter visualizado que Flávio estava com uma arma em cima do banco do passageiro e a todo momento colocava a mão sobre a arma.”
Até mesmo o próprio empresário pivô do esquema já foi pego armado. Em 2013, a Polícia Civil de Goiás prendeu D’Artagnan Costamilan por posse ilegal de arma de fogo. No escritório dele, foi apreendido um revólver calibre 38 sem o registro necessário e cerca de 70 munições do mesmo calibre. Na guarita principal do condomínio em que ele é proprietário, foram apreendidos mais dois revólveres, de calibre 38 e 22, ambos irregulares.
Na residência de D’Artagnan, foi apreendida ainda uma caixa com 31 munições calibre 22. A corporação apontou, na época, que ele não foi capaz de comprovar a regularidade e licitude das três armas apreendidas. Autuado, o empresário pagou fiança de R$ 10 mil e passou a responder ao processo criminal em liberdade.