São Paulo — Criticado por delegados da Polícia Civil paulista, o favorecimento da gestão do secretário da Segurança Pública (SSP), Guilherme Derrite, à Polícia Militar vai além do plano de empoderar a PM para que ela faça investigações e do protagonismo dado à corporação nas operações de combate ao crime organizado.
Levantamento feito Metrópoles com base nos dados da Secretaria Estadual da Fazenda mostra que a atual gestão mais do que triplicou os investimentos previstos para PM neste ano e já liberou para gastos da corporação com obras e compra de equipamentos um valor 38 vezes maior do que o empenhado para a Polícia Civil desde janeiro.
No ano passado, a Assembleia Legislativa (Alesp) aprovou um orçamento de R$ 20,7 milhões em investimentos para a Polícia Militar e de R$ 16,3 milhões para a Civil. É desse montante que as polícias tiram dinheiro para reformar batalhões e delegacias e comprar armas e viaturas, por exemplo.
Ao longo deste primeiro quadrimestre, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) autorizou remanejamentos de recursos que elevaram o caixa da PM para investimentos para R$ 70,5 milhões — aumento de 240% — e o da Polícia Civil para R$ 24 milhões — alta de 47%.
Até agora, contudo, a gestão Derrite só liberou R$ 636 mil em investimentos para a Polícia Civil, ou 2,6% do total, enquanto que a PM já pôde aplicar R$ 24,6 milhões — 29,3% de todo o orçamento atualizado para este ano. Uma reforma de delegacia, por exemplo, custa R$ 1 milhão, em média.
O resultado coloca a Polícia Civil como a força de segurança pública paulista que menos investiu até o momento, atrás da Polícia Técnico-Científica, com R$ 1,5 milhão em recursos empenhados, e do Corpo de Bombeiros, com R$ 3,5 milhões, segundo dados oficiais da Fazenda estadual.
O Metrópoles questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre a discrepância entre os valores proporcionalmente empenhados em investimentos para as duas polícias, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Crise entre as polícias
A crise entre as duas polícias teve início nas últimas semanas, após a Polícia Civil ser escanteada em duas grandes operações de combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), uma envolvendo um esquema de lavagem de dinheiro por meio de empresas de ônibus da capital e outra contra um cartel formado para fraudar licitações na Grande São Paulo.
A situação se agravou após o Metrópoles revelar, na última quinta-feira (18/4), o plano da gestão Derrite para permitir que agentes da PM pudessem fazer investigações a partir do registro de Termos Circunstanciados (TCs), destinados a crimes de menor potencial ofensivo.
Entidades de delegados emitiram notas públicas repudiando o plano, alegando que a medida invadia uma competência exclusiva da Polícia Civil na esfera estadual. A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) classificou o projeto como “inconstitucional”.
No dia seguinte, Tarcísio defendeu a medida que empoderava a PM e negou racha entre as polícias. “Não existe racha entre as polícias, pode ficar tranquilo. Eles [PMs e policiais civis] vão trabalhar integrados como vêm trabalhando”, disse o governador, na última sexta-feira (19/4).
Nessa segunda-feira (22/4), contudo, após reunião do Conselho da Polícia Civil, Derrite recuou do plano e anunciou a criação de um grupo com agentes das três polícias para estudar, por 45 dias, a “viabilidade do Termo Circunstanciado da Polícia Militar”.