Derrite usa secretaria para bombar pauta contra “saidinha” de presos

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São Paulo – Levantamento do Metrópoles mostra que a gestão Guilherme Derrite usa a estrutura da Secretaria da Segurança Pública (SSP) para bombar a pauta contra a “saidinha temporária”, uma das principais bandeiras políticas do secretário paulista.

Derrite, que mantém o mandato de deputado federal, chegou a se licenciar do cargo na SSP, em março de 2024, para relatar o projeto de lei que prevê o fim da saidinha no país. Também viajou recentemente a Brasília para acompanhar a votação, que acabou adiada, dos vetos feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O calendário de tramitação do projeto de lei coincide com uma sequência de publicações sobre o tema, feita na página oficial da SSP, sem precedentes em São Paulo. Para especialista, o resultado do levantamento (veja abaixo) é “grave” e o cenário pode configurar até uso da máquina pública para autopromoção.

Só em março, a pasta divulgou 16 notícias abordando as “saidinhas” – das quais 5, ou quase uma publicação por dia, aconteceram na semana em que o secretário se licenciou para voltar à Câmara e aprovar o projeto. Para comparação, o número equivale ao dobro de conteúdo sobre o tema noticiado no site da SSP em todo o ano anterior.

Levantamento

O levantamento foi feito com base nas notícias extraídas do site da SSP, que é um órgão de estado, contendo as palavras-chave “saidinha”, “saída” ou “saída temporária”. Ao todo, as buscas coletaram 104 publicações da pasta a partir do ano de 2009.

A análise dos conteúdos, no entanto, revela que esses termos só passaram a ser usados para se referir às saídas temporárias de presos a partir de 2023, já no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), quando foram feitas 32 publicações.


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Anteriormente, todas as 72 notícias localizadas são referentes às chamadas “saidinhas de banco” – modalidade de crime em que a vítima é atacada após sacar dinheiro, cujo auge aconteceu nos anos 2010. Esse período corresponde a gestões de outros seis governadores diferentes.

A primeira publicação da SSP sobre saidinhas de presos é de setembro de 2023. Também é nesse mesmo mês que o PL, então parado no Senado, volta a andar com o requerimento e a realização de uma audiência pública, que contou com a participação do próprio Derrite.

Uso excessivo

Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, avalia que a recente enxurrada de publicações no site da SSP é “grave”, revela “conflitos de interesses claros” e pode representar “um processo de uso excessivo político-partidário da Segurança Pública”.

“Parece haver um interesse de fazer a máquina girar em prol dessa medida”, afirma a especialista, ao analisar o números. “É, no mínimo, uma grande coincidência.”

Carolina analisa, ainda, que Derrite tem escolhido dar destaque a temas da área que são capazes de gerar grande visibilidade – como as operações na Baixada Santista ou a questão da Cracolândia –, sem, no entanto, se preocupar se os resultados são, de fatos, eficientes ou sustentáveis a longo prazo. Neste ano, parte do efetivo da Polícia Militar (PM) foi mobilizado para monitorar as saidinhas.

“Não dá para dizer que a saidinha é o maior problema de segurança pública, mas parece ser uma prioridade [de governo]”, afirma. “Mesmo com outros crimes mais graves acontecendo, há direcionamento de policiamento… Parece servir para justificar uma medida política que vem desse governo, sobretudo do secretário.”

Sem novos crimes

Em março, a Defensoria Pública de São Paulo preparou relatório que mostra que 61% das capturas de pessoas beneficiadas por saidinhas temporárias aconteceram porque elas descumpriram horário de recolhimento – e não porque cometeram novos crimes ou deixaram de voltar para a cadeia.

Os defensores públicos também afirmam que houve prisões ilegais na chamada “Operação Saída Temporária”, deflagrada na ocasião, pelo atual governo. Segundo o relatório, entre os casos registrados como descumprimento estão pessoas que estavam em casa ou saindo do hospital.

O detalhamento dessas prisões, revelado pelo relatório da Defensoria, não aparece nas notícias divulgadas no site da SSP. Em nota, a pasta admite que só 119 dos 1,5 mil presos recapturados, ou menos de 10%, foram flagrados cometendo novos crimes.

“O secretário, que quer muito aprovar [a mudança legislativa no Congresso], se licenciou, trabalhou como parlamentar e depois voltou para a secretaria. Ele tem nas mãos toda a estrutura da Segurança Pública de um estado como São Paulo”, diz a diretora do Sou da Paz.

Politização

Policiais e autoridades paulistas, ouvidos em condição de sigilo pela reportagem, têm demonstrado preocupação com os crescentes sinais de uso político das forças de segurança, em especial da PM, no atual governo.

Nesta semana, o Metrópoles revelou que associação de PMs prepara o primeiro Congresso Político, com vaga para 300 agentes e objetivo de influenciar as eleições municipais. Segundo a organização, Derrite será convidado.

O avanço da politização, no entanto, também encontra resistência dentro da própria corporação. Em fevereiro, sob influência de Derrite, Tarcísio chegou a transferir mais de 30 coronéis da PM – em episódio que foi interpretado como uma mensagem do governo para os oficiais que resistem às pautas da gestão.

Em paralelo, o secretário enfrenta crise com a Polícia Civil, que foi escanteada de grandes operações contra o crime organizado e vê o avanço da PM sobre suas atribuições nas últimas semanas.

“Combate à reincidência”

O Metrópoles questionou a SSP sobre o uso da estrutura para impulsionar a pauta das saidinhas e pediu acesso a dados e pesquisadas que poderiam embasar os argumentos da pasta sobre o tema.

Na nota, a pasta se limitou a dizer que “o combate à reincidência criminal é uma das prioridades do Governo de São Paulo para ampliar a proteção da população”.

“Além disso, as ações policiais para coibir o descumprimento de regras da saída temporária são avalizadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em parceria inédita entre o Executivo e o Judiciário em vigência desde o ano passado”, disse.

O único dado apresentado pela pasta é do total de detentos recapturados, sem apresentar o detalhamento dos motivos, nas saídas temporárias de junho, setembro e dezembro de 2023 e março de 2024. “A medida também contribuiu para a redução de cerca de 6 mil ocorrências de roubos e furtos nos quatro períodos analisados”, sugere.

“As ações e operações das forças de segurança pública do Estado, bem como as políticas públicas elaboradas e executadas pela SSP, são compiladas há mais de 20 anos, divulgadas de forma transparente e usadas rotineiramente por pesquisadores, analistas e pela imprensa, como o próprio portal Metrópoles“, diz.

“Aliás, as centenas de reportagens publicadas pelo portal sobre o tema atestam o grande interesse da população sobre as saídas temporárias e o combate à reincidência criminal”.



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