Devastação tornará Cerrado inabitável, alerta professor da UnB

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O Cerrado teve 121 mil hectares – área quase equivalente à da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – transformadas em unidades de conservação (UCs) entre 2019 e 2023, segundo dados do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A quantidade, porém, é 10 vezes menor do que as registradas de 2014 a 2018, quando 1,2 milhão de hectares foram protegidos.

Ao lado da Mata Atlântica, o Cerrado está entre as áreas naturais do planeta com extensa biodiversidade, mas em risco de extinção e, devido a essa perda, estabelecer espaços de preservação é a principal saída para combater as ameaças sofridas pelo ecossistema.

As UCs funcionam como forma de preservar ecossistemas naturais de grande relevância ecológica, assim como de beleza cênica, o que possibilita, inclusive, o andamento de pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação, o uso de recursos naturais de maneira inteligente e até a recreação em contato com a natureza, por meio do turismo ecológico e de negócios voltados ao cuidado com o meio ambiente

Para o professor de ecologia da Universidade de Brasília (UnB) José Francisco Gonçalves Júnior, há tempo para proteger esses patrimônios biológicos.

“As UCs podem contribuir, por exemplo, para combater o fogo, provocado por humanos em 90% das vezes; elas também têm zonas de amortecimento, fora das unidades, o que amplia a conservação; outra vantagem são as os núcleos de dispersão, que fazem os animais migrarem para áreas degradas e levarem banco genético para restauração [da fauna] dos espaços”, elencou.

Poder público

Nos últimos cinco anos, os espaços protegidos no Cerrado cresceram apenas 0,7%. Para fins de comparação, no mesmo período, a Amazônia brasileira teve aumento de 3,7% – ou mais de 4,3 milhões de hectares, um pouco menos do que a área total de Vitória (ES) – nos pontos que se tornaram unidades de conservação.

“A boa notícia é que há um crescimento, mas, nessa tendência, [a taxa] pode diminuir. E, em algum momento, o crescimento provavelmente vai zerar”, alerta José Francisco.

A desaceleração no aumento da quantidade de UCs representa a perda de uma das principais estratégias de conservação do Cerrado – a qual, inclusive, não tem sido suficiente, segundo o professor de ecologia. Se não houver políticas públicas e integradas entre as unidades da Federação, será difícil frear a ação humana que leva à degradação.

“As unidades de conservação podem até aumentar [em quantidade], mas só elas não são suficientes para preservar o Cerrado, que oferece serviços ecossistêmicos, naturais. Nunca vamos conseguir abarcar toda a área de interesse, porque há políticas estaduais no meio do bioma, e não única. Um estado pensa diferente do outro”, completou José Francisco.

Desmatamento

Atualmente, apenas 8% do Cerrado está protegido por meio de unidades de conservação. Ainda assim, essas áreas tiveram 26,5 mil hectares desmatados em 2023, segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Depois da Mata Atlântica, ele é o ecossistema brasileiro que mais sofreu alterações decorrentes da ocupação humana.

No Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), documento do governo federal com diretrizes para alcançar a meta de desmatamento zero até o ano passado, as quatro principais causas apontadas para o problema foram:

  • Dificuldade de monitoramento da legalidade do desmatamento vinculado a cadeias produtivas;
  • Baixo de nível de reconhecimento de territórios coletivos e unidades de conservação;
  • Expansão agrícola, especulação fundiária e gestão hídrica ineficaz;
  • Manejo inadequado do fogo.

Outro ponto que exige atenção do poder público e da população é o risco de desabastecimento hídrico e de comprometimento da produção agrícola devido a secas decorrentes da devastação do Cerrado.

O ecossistema inclui sete bacias hidrográficas – os rios Paranoá, São Bartolomeu, Descoberto, Corumbá, São Marcos, Preto e Maranhão. Mesmo assim, o DF é a terceira unidade da Federação com menor disponibilidade hídrica superficial e anual por pessoa. A informação consta no estudo Um Panorama das Águas no Distrito Federal, divulgado pela Codeplan em 2020.

O Instituto Nacional do Semiárido (INSA) chama a atenção para o fato de que as causas que levam à desertificação estão relacionadas às atividades humanas. Com o passar do tempo, a exploração excessiva do solo pode levar à infertilidade da terra.

“Consequentemente, haverá uma tendência de diminuição da produtividade agrícola no Cerrado. E essa falta de produtividade tende a ser crescente até o dia em que não será produzido mais nada”, enfatizou José Francisco. “Daqui a algumas décadas, se o cenário se mantiver, será impossível morar nesse ecossistema.”



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