As denúncias do atraso de pagamento de médicos da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Mansões Odisseia e no Hospital Bom Jesus, em Águas Lindas de Goiás, repercutiram no município do Entorno. Nos grupos com médicos, o assunto, no entanto, não virou piada por parte da chefia da unidade.
O diretor técnico Augusto Leão Bucar, da UPA e do hospital. encaminhou uma mensagem ao grupo com um trecho da matéria em que um dos 11 denunciantes ouvidos pela reportagem do Metrópoles afirmou ter engordado 14 quilos por ansiedade após a demora do pagamento. Na conversa, o médico “brinca” que o relato era dele, mesmo não tendo sido entrevistado na ocasião. O tom de deboche usado foi censurado por alguns colegas, mas outros aproveitaram a deixa para rir das denúncias.
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Após ver as conversas, alguns dos médicos procuraram novamente o Metrópoles para relatar a sensação de mal-estar. “Eu virei piada, minha dor virou piada. Isso é horrível”, declarou. Na conversa, alguns médicos criticaram a forma que o diretor comentou a situação. Em uma das respostas, um dos colegas na UPA apontou que o denunciante está passando por problemas devido ao atraso no pagamento ao trabalhar na própria unidade.
“A pessoa está expressando um sofrimento físico e psicológico de forma explícita e possivelmente pode estar nesse grupo vendo essa mensagem”, respondeu. “Uma questão séria que mais uma vez é ironizada e levada em tom de brincadeira. Há momentos corretos para brincadeira e esse não é um desses”, criticou outra pessoa no grupo.
Essa não é a primeira vez que, como chefia, o diretor debocha de queixas dos médicos. Quando completou um mês da promessa de que os profissionais receberiam o salário atrasado, um dos médicos reclamou do tempo de espera sem o dinheiro cair na conta. Augusto Leão respondeu: “Faça um bolinho de mesversário”.
A promessa foi um áudio supostamente do secretário de saúde de Águas Lindas encaminhado por Augusto Leão ao grupo com a informação de que o pagamento seria feito e que os médicos poderiam ficar tranquilos. No entanto, seis meses passaram e os médicos seguem sem receber.
Com a resposta do diretor, o médico então reclamou da ironia, e o chefe replicou chamando-o de chato. Uma colega então criticou a postura do médico. “Augusto, é no mínimo uma falta de respeito você mandar isso aqui, todo mundo ansioso e chateado com a situação e você fazendo piada, alguém que era pra nos representar. Triste”, respondeu.
“Não foi intenção ridicularizar”
O diretor Augusto Leão Bucar negou ter ridicularizado as pessoas do grupo e diz que esse nunca foi o objetivo (leia ao fim desta reportagem o posicionamento do médico na íntegra). De acordo com ele, é um hábito usar do humor em situação tensa. “Eu estava fazendo uma referência a mim, eu ganhei muito mais do que 20 quilos. Eu tomo ansiolítico”, explicou o médico.
“O pessoal esquece que eu dava plantão, que eu tenho muito dinheiro também para receber, mais de R$ 40 mil para receber desse calote. Eu não entendo porque o pessoal acha que eu faço parte de quem deu o calote, eu tomei igual a todo mundo”, defende-se o diretor.
“Não foi na intenção de ridicularizar uma pessoa. Era uma piada com o que aconteceu comigo; têm pessoas com esse tipo de perfil que usa o humor para aliviar a dor. Fiz essa piada, pedi desculpas para quem se sentiu ofendido”, completou. “Para mim, a piada, a comédia e a risada aliviam muito mais a dor do que qualquer outra coisa. Ali [no grupo], eu não estou como diretor técnico, ali eu estou como um plantonista que também recebeu calote”, concluiu.
Atrasos no pagamento
Os médicos em Águas Lindas estão sem receber o pagamento de junho do ano passado. O atraso de mais de seis meses envolve parte da remuneração mensal e os pagamentos das escalas de plantão. A gestão das unidades de saúde é feita por Organizações Sociais contratadas pelo município.
Parte do salário de novembro só caiu em janeiro e os honorários de junho mesmo nunca foram pagos, conforme denunciam os profissionais.
“Tenho um total de R$ 16 mil para receber, com metade da minha fonte de renda sendo de lá. Fiquei mais dois meses usando o cheque especial e pagando juros de mais de R$ 10 mil, para não deixar atrasar a conta”, relatou um profissional.
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Os médicos são contratados como pessoas jurídicas pela HelpMed, empresa que presta serviço ao Instituto de Saúde e Cidadania (Isac) – a Organização Social que mantém contrato com a Prefeitura de Águas Lindas para gerenciar a UPA e o hospital.
“Eu engordei 14 quilos, tenho crise de ansiedade e estou vendo minha vida literalmente se afundar e eu não posso fazer nada”, comentou um profissional da saúde, que não quis se identificar. “Imagina você trabalhar e não receber pelo trabalho que foi realizado”, completou.
Por medo de não receber, os profissionais têm preferido não fazer escalas, especialmente as de plantão. “Tem dias que só são dois médicos em cada unidade, quando era para ter no mínimo quatro”, relatou o profissional. Em mensagem, a equipe que gerencia as escalas determinou apenas 30 minutos de intervalo para o jantar dos médicos. Veja:
Restos a pagar
Com constantes atrasos, a situação se agravou em junho de 2023. É que a Isac, alegando não receber R$ 7 milhões em repasse da prefeitura, suspendeu os serviços. Em um comunicado, a HelpMed garantiu aos profissionais que os pagamentos seriam feitos pela secretaria municipal.
“Ficou pactuado que o município se comprometerá a realizar repasses da folha médica para HelpMed pertinentes ao mês de abril ainda na data de hoje, e que os pagamentos pertinentes aos meses de maio e junho também serão honrados em dia por parte da municipalidade”, conforme consta em documento ao qual o Metrópoles teve acesso.
Em novembro de 2023, a prefeitura criou um fundo municipal com os restos a pagar da Secretaria de Saúde, para reconhecer e quitar as dívidas que o instituto tinha feito ao longo da execução. Em 15 de dezembro, a Secretaria de Economia Municipal publicou um chamamento público para que os profissionais e as empresas que estejam nessa situação possam solicitar o pagamento.
Conforme afirma o texto, o pagamento será feito em ordem daquele que oferecer o maior desconto percentual sobre a dívida e conforme a disponibilidade orçamentária da Prefeitura de Águas Lindas de Goiás.
Apesar de obrigatórias, as despesas com as empresas não constam no Portal da Transparência do município. O Metrópoles fez a busca com diversas formas de escrever o nome das empresas, em um recorte de 31 de dezembro de 2022 a 8 de janeiro de 2024, e a mensagem é apenas “nenhum resultado encontrado”. Confira:
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Calote
Após a publicação da primeira reportagem, a empresa responsável pelos pagamentos, HelpMed, manifestou alegando que sofreu calote da Organização Social e que conta com o Poder Público para equilibrar as contas.
“A HelpMed vem buscando com veemência o pagamento da Administração Pública e do Isac pelos serviços médicos prestados. A HelpMed nunca deixou de prestar os serviços e conta com mais de R$ 3 milhões em atraso”.
Segundo nota, a empresa tentou também responsabilizar o município “diante de seu papel subsidiário nos pagamentos”, novamente sem êxito. “Mesmo em relevante prejuízo, a Helpmed adiantou valores aos médicos envolvendo R$ 2 milhões, ainda que sem recebimento pelo Isac”, completa.
A empresa conta com esse fundo para receber os valores devidos. “A Helpmed se solidariza com a situação enfrentada pelos médicos e acredita na iminente resolução da questão, certa de que haverá bom senso pelo Poder Público em remediar esta crise na gestão da saúde pública”, completou.
Posicionamento do diretor
“Eu, Augusto Bucar, médico, venho por meio desta nota, pedir desculpas pela mensagem enviada nesta quarta-feira, 10 de janeiro de 2024, em uma conversa privada aqui neste grupo de médicos no WhatsApp, na qual, fiz uma brincadeira, sem fins de ofender. Até porque, ria da minha própria situação, que era a mesma vivida pelo personagem da reportagem, com a diferença que engordei mais de 20 quilos pelos problemas que estamos enfrentando.
Assumo o compromisso de transformar o ocorrido em uma lição aprendida para a vida. E, não o mais repetirei. Até porque, sou um cidadão de bem, que cumpre as normas vigentes, dentre elas, a editada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ que considera crime divulgar print de conversas de WhatsApp, sendo assim, o que acontece em grupos, para mim, ali ficam. Mas, diante do ocorrido, irei me relacionar de forma diferente com esse aplicativo de mensagens, que permite ao outro entender o que deseja e não o que gostaríamos de dizer. Peço desculpas a vocês e agradeço a compreensão”.