O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), sugeriu ter sido pressionado pela Polícia Federal, a quem acusou de ter uma “narrativa pronta” sobre as investigações em curso. As declarações estão em áudios revelados pela revista Veja, aos quais o UOL também teve acesso.
Cid disse que a PF não quer “saber a verdade”. Em áudio, o tenente-coronel sugeriu ter sido coagido pelos investigadores, sem mencionar a ocasião específica. “Eles já estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam que eu confirmasse a narrativa deles. Entendeu?”, afirma, sem identificar de quem e com quem está falando.
“Eles são a lei agora”, acusa o tenente-coronel. “Toda vez eles falavam: ‘Ó, mas a sua colaboração está muito boa. (…) ‘Você vai ser indiciado por nove tentativas de falsificação de vacina, vai ser indiciado por associação criminosa, e mais um termo lá. Só nessa brincadeira são 30 anos [de prisão] para você’”, relata Cid, que não especificou em que contexto essa pressão teria acontecido.
Ex-ajudante de Bolsonaro também criticou Moraes. Em um dos áudios divulgados pela Veja, Cid critica o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). “A lei já acabou há muito tempo. A lei é eles, eles são a lei, o Alexandre Moraes é a lei. Ele prende quando ele quiser, como ele quiser; com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”, diz.
“Eu vou dizer o que eu senti: eles já estão com a narrativa pronta, é só fechar. Eles querem o máximo possível de gente para confirmar a narrativa deles. É isso que eles querem”, diz Mauro Cid, em áudio.
O que diz a defesa
Advogados negam que Cid tenha questionado as investigações. Em nota, a defesa diz que o tenente-coronel, em nenhum momento, “coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade” da PF, da PGR (Procuradoria-Geral da República) ou do STF “na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador”.
Áudios “parecem” clandestinos, mas “não passam de um desabafo”. Os advogados não negam que os áudios sejam verdadeiros, mas explicam que o conteúdo é apenas um relato do “difícil momento e angústia pessoal, familiar e profissional” pelos quais Cid está passando.
Referidos áudios divulgados pela revista Veja, ao que parecem clandestinos, não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada.Trecho de nota divulgada pela defesa de Mauro Cid
Indiciamento
Tenente-coronel foi indiciado por fraude em certificado de vacina. Ao todo, a PF identificou 16 atos criminosos: oito deles tratam de fraudes para beneficiar a família de Cid; seis envolvem Bolsonaro e seus ex-assessores; um é contra o deputado Gutemberg Reis; e o último, de alcance geral, incrimina o ex-presidente e mais oito pessoas.
Cid e outros nove agiram para falsificar dados de vacinação, diz PF. Os registros fraudados são do tenente-coronel, de sua esposa, Gabriela, e das duas filhas do casal, para permitir três viagens aos Estados Unidos entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022.
Foram falsificadas duas carteiras de vacinação para Gabriela Cid. A primeira tentativa, que usou um certificado emitido pela Secretaria de Saúde de Goiás, não deu certo porque o sistema do Ministério de Saúde alertou para o erro nos dados. Mas na segunda vez, com um documento de Duque de Caxias (RJ), a fraude funcionou, ainda de acordo com as investigações.
Devido às fraudes, Cid e a esposa foram indiciados por três crimes. A PF cita falsidade ideológica (1 a 5 anos de prisão), uso de documento falso (1 a 5 anos) e inserção de dados falsos em sistema de informação (2 a 12 anos). Cid, além disso, também foi indiciado por associação criminosa, já que teria participado da falsificação dos dados de Bolsonaro.