Extrema-direita mostra a face em Portugal (por Marcos Magalhães)

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“Sei que estás em festa, pá”, cantou Chico Buarque ao celebrar a Revolução dos Cravos, de 1974, que derrubou a ditadura salazarista em Portugal. A canção pode voltar às ruas em 25 de abril, quando o movimento completa 50 anos, mas com sabor amargo.

Não pela vitória da coalizão de centro-direita Aliança Democrática, que venceu as eleições de domingo com 29,52% dos votos – contra 28,66% do Partido Socialista. Mas pela rápida ascensão da extrema-direita saudosa do mesmo salazarismo.

O partido Chega, populista e xenófobo, quadruplicou sua presença na Assembleia Nacional portuguesa. Sua bancada atual é de 12 deputados. Após as eleições, se tornará a terceira maior, com 48 representantes.

Dos 230 deputados da Assembleia, 79 serão da Aliança Democrática – que fica assim longe dos 116 necessários a uma maioria absoluta. O Partido Socialista terá 77 deputados, e a Iniciativa Liberal, quarta maior força, oito.

Caberá ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa, depois de ouvir os representantes dos partidos, indicar o futuro primeiro-ministro, após oito anos de governos socialistas.

Ainda não há nada definido. Poderá ser o líder da Aliança Democrática, Luís Montenegro. O que, sim, parece certo é que o futuro primeiro-ministro comandará um governo de minoria, o que traz consigo certo risco de instabilidade política.

Isso caso se confirme a promessa de campanha de Montenegro, de não convidar para o governo os extremistas do Chega. “Não é não”, repetiu o líder da Aliança Democrática durante a campanha.

As próximas semanas dirão se ele vai manter o compromisso. A única certeza, até agora, é que o Partido Socialista já admitiu a derrota – ainda que por menos de um ponto percentual – e promete colocar-se na oposição.

O partido teve protagonismo no período que se seguiu à revolução. O socialista Mário Soares foi primeiro-ministro nos dois primeiros governos constitucionais pós 1974.

Quando voltou ao governo, já nos anos 1980, Soares liderou o ingresso de Portugal na então Comunidade Econômica Europeia, abrindo caminho para a modernização do país. E agora o partido completa oito anos no poder.

As eleições antecipadas de domingo foram convocadas depois da publicação de denúncias – não comprovadas – de corrupção contra o então primeiro-ministro António Costa, que preferiu renunciar ao cargo.

A centro-esquerda e a centro-direita se revezaram no poder nas últimas décadas. Agora, nas palavras do líder do Chega, André Ventura, chegou ao fim o bipartidarismo. E o que virá em seu lugar?

Ventura é mais um expoente da safra de líderes antissistema, como Javier Milei, Jair Bolsonaro e Donald Trump. Ele apostou na frustração dos portugueses com o aumento da criminalidade, da imigração e da corrupção para apresentar seu discurso contra imigrantes.

Não deixa de ser irônico, pois milhões de portugueses já emigraram para outros países da Europa, para a América do Norte e para o Brasil. Além disso, calcula-se que 30% dos jovens tenham deixado Portugal em busca de melhores oportunidades no exterior.

Talvez reste então principalmente aos mais velhos celebrar os 50 anos da Revolução dos Cravos. Pelo menos aqueles que não estão entre os 18% dos eleitores que votaram no Chega.

Os primeiros anos após 1974 foram turbulentos, com instabilidade política e econômica e o retorno a Portugal dos que viviam nas antigas colônias da África. Mas depois vieram a estabilidade e o ingresso na atual União Europeia, que injetou milhões de euros na infraestrutura do país.

Portugal passou a atrair imigrantes, provenientes sobretudo do Brasil e da África. E a chegada dos novos habitantes foi acompanhada do crescimento da xenofobia, habilmente explorada pela extrema-direita do Chega.

A possível ascensão do partido ao governo, para garantir maioria na Assembleia à Aliança Democrática, soaria contraditória no momento em que se celebra meio século de um movimento contra o fascismo.

O cenário mais provável, porém, é o de um governo minoritário, liderado pela Aliança Democrática. Governo que precisará lidar com as frustrações de parte do eleitorado português e apresentar um projeto que chame de volta algum otimismo.

Otimismo que não faltava há cinco décadas do outro lado do Atlântico. Do lado de cá, o movimento inspirava os que lutavam contra a ditadura.

Em sua antiga canção Tanto Mar, Chico Buarque pedia que lhe mandassem “algum cheirinho de alecrim”. O apoio poético à Revolução dos Cravos não foi bem recebido por aqui. A letra da música foi proibida pela censura do governo dos militares.

Somente uma segunda versão, em 1978, foi liberada e gravada no Brasil. O entusiasmo inicial do autor com a revolução já dera lugar a certa cautela. Mesmo assim, Chico dizia que ainda guardava “renitente” um “velho cravo” para si.

Os cravos, de fato, envelheceram. Permanecem, no entanto, símbolos de um momento em que Portugal ousou sonhar com um futuro mais justo e livre.

O crescimento da extrema-direita saudosa do salazarismo assusta. Mas a História preserva as imagens de flores colorindo tanques do Exército nas ruas de Lisboa.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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