Feminicídos na Amazônia Legal superam média do país, aponta Fórum Brasileiro de Segurança Pública

AMAZONAS

Em 2023, cinco dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal tiveram taxas de feminicídio superiores à média do país, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). São eles: Mato Grosso, com 2,5 casos para cada 100 mil mulheres; seguido de Acre, Rondônia e Tocantins, com taxas de 2,4 casos para cada 100 mil; e Roraima, com 1,9. As informações são do Valor Econômico.

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feminicidos-na-amazonia-legal-A média brasileira ficou em 1,4 caso para cada 100 mil mulheres no ano passado, totalizando 1.463 mil feminicídios, o maior número dos últimos nove anos. Ao menos 10.655 mulheres foram vítimas do crime entre 2015 e 2023, ainda de acordo com o FBSP, uma organização não governamental voltada à segurança pública.

A lei do feminicídio, sancionada em março de 2015, qualifica o crime quando é motivado por gênero – o que inclui violência doméstica, familiar e discriminação à condição de mulher.

Em 2022, a taxa de feminicídio na Amazônia Legal também havia sido superior do que a média do Brasil, com um número 30,8% maior. O território registrou 1,8 caso a cada 100 mil mulheres ante a média brasileira de 1,4 caso por 100 mil. Na região, as áreas rurais e as intermediárias entre o campo e as cidades tiveram índices mais elevados do que as áreas urbanas. Os dados são do estudo: “Cartografias da Violência na Amazônia”, conduzido pelo FBSP e pelo Instituto Mãe Crioula. Os registros de estupro também foram superiores na região em 2022, com 49,4 vítimas para cada 100 mil pessoas, índice 33,8% superior à média brasileira.

De acordo com a diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, o aumento do crime organizado na Amazônia Legal, a “interiorização da violência” e o difícil acesso a algumas localidades ajudam a explicar os números. “Quando o garimpo ilegal ou outros crimes se instalam, há várias formas de violência que também chegam, como violência contra a mulher e exploração sexual infantil”, diz. “Temos que considerar que existem muitas Amazônias e que, a depender do local, você leva 20 horas ou mais para chegar.”

Fundadora do Projeto Fênix de acolhimento de mulheres vítimas de violência no Estado do Amazonas, a advogada Jacqueline Suriadakis aponta um problema estrutural brasileiro que se acentua onde a comunicação e o atendimento demoram a chegar. “Há lugares em que a informação não chega, muitas vezes a mulher não sabe que está sofrendo uma violência. Nos municípios próximos vamos de carro, mas quando o local é mais longínquo, é só de barco”, diz Suriadakis.

A advogada também critica a falta de atendimento especializado. Essa situação ajuda a explicar casos de feminicídos classificados na estatística como morte violenta. “O Estado do Amazonas abrange 62 municípios e muitos não têm delegacias próprias para isso. A mulher não se sente amparada, tem medo de falar, porque nas cidades todo mundo se conhece”, observa. Em 2022, a taxa de mortes violentas de mulheres na Amazônia Legal superou em 34% a média do país. A região tinha 5,2 casos a cada 100 mil mulheres, enquanto o índice para todo o Brasil chegou a 3,9 a cada 100 mil. A morte violenta inclui homicídios dolosos e latrocínio.

Samira Bueno, do FBSP, diz que este pode ser o caso de Roraima. O Estado teve a segunda maior taxa de assassinatos de mulheres no país em 2022, com 10,4 casos por 100 mil, número 170% superior à média do país, mas teve a menor taxa de feminicídio, com 0,9 caso a cada 100 mil. Em 2023, contudo, a taxa de feminicídio de Roraima passou para 1,9 a cada 100 mil, o maior aumento no Brasil. Já o número de assassinatos de mulheres no Estado caiu de 33 mortes em 2022 para 17 em 2023, segundo dados do Ministério da Justiça. “Ainda é uma taxa elevada, mas o número de assassinatos teve queda de 48%, o que indica uma melhor tipificação dos feminicídios”, diz Bueno.

Entre os maiores desafios para o combate à violência contra a mulher na Amazônia Legal, está a ausência de políticas públicas voltadas à proteção, avalia Telma Marques da Silva, conhecida como Telma Taurepang, que coordena a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab). A organização atua nos nove Estados da Amazônia Legal. “Acolhemos virtualmente porque não temos um espaço físico. Muitas mulheres nos procuram, são violentadas e ameaçadas nos próprios territórios”, afirma. “Buscamos conversar com as ministras da Mulher e dos Povos Indígenas para que tenhamos uma casa de atendimento às indígenas dentro dos territórios. A Casa da Mulher Brasileira não pode estar só na cidade.”

O Ministério Público do Acre (MPAC), Estado que liderou os índices de violência contra a mulher no Brasil de 2018 a 2021, implementou uma estratégia de atendimento à mulher focada na prevenção do feminicídio. A instituição criou uma ferramenta que contabiliza as mortes para maior monitoramento e transparência.

A partir deste ano, a plataforma vai incluir tentativas de feminicídio – em maioria, resultado de agressões dentro de casa, vindas do parceiro. Conforme dados reunidos pela instituição, as mulheres que mais morrem são pretas e pardas, estão em idade reprodutiva, são mães, têm baixa escolaridade e não têm renda. “O feminicídio é o ápice da violência doméstica. É importante olhar para os dados com cuidado para a formulação de políticas públicas”, diz a procuradora de justiça Patrícia de Amorim Rêgo, coordenadora-geral do observatório de violência de gênero (OBSGênero) e do Centro de Atendimento à Vítima do MPAC.

A coordenadora administrativa do OBSGênero, Otília Marinho, acredita que um caminho para que os casos cheguem à polícia seria a integração de sistemas de saúde, assistência social e notificação compulsória à autoridade policial. “É a forma mais fácil de fazer com que a vítima do postinho chegue ao sistema de Justiça”, diz.

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