Um estudo do Greenpeace Brasil, divulgado nesta terça-feira (9/4), expôs falhas nas regras e no controle de concessão de crédito rural a propriedades da Amazônia. Entre 2018 e 2022, 798 imóveis embargados pelo Ibama devido a crimes ambientais receberam financiamentos de bancos. Ao todo, o relatório identificou créditos a dezenas de milhares de propriedades que tiveram registros de desmatamentos ou que têm áreas sobrepostas a Terras Indígenas (TI), Unidades de Conservação (UC) e Florestas Públicas Não Destinadas (FPND). O estudo destacou 15 propriedades que, apesar de irregularidades diversas, receberam R$ 43 milhões em créditos.
Chamado de “Bancando a extinção”, o relatório agregou informações sobre todos os créditos rurais concedidos entre 2018 e 2022. O trabalho se baseou no cruzamento de dados dessas propriedades que conseguiram crédito com mapas de TIs, UCs, FNPDs, além de registros de desmatamentos pelos sistemas oficiais de monitoramento. O crédito rural é o principal instrumento da política agrícola do país, com oferta de créditos ao produtor rural por meio de taxas de juros subsidiadas pelo governo. O Banco do Brasil é o principal operador de crédito rural na Amazônia, responsável por 44% dos contratos no período analisado.
Com o cruzamento, foi possível observar, entre todas as propriedades rurais que conseguiram financiamento de 2018 a 2022, que 10.074 tinham sobreposição a unidades de conservação; 24 sobrepostas a terras indígenas; 21.692 imóveis sobrepostas a florestas públicas não destinadas (FPND); e 29.502 propriedades tiveram desmatamento no período analisado.
Essas situações não caracterizam, necessariamente, que as concessões de créditos foram feitas de forma irregular, pois as regras socioambientais do Manual de Crédito Rural seguidas pelas instituições financeiras vêm sendo aprimoradas recentemente. Mas ainda há muitas brechas. Somente a partir de 1 de janeiro de 2024, por exemplo, que uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) passou a restringir empréstimos para propriedades com sobreposição a FPNDs.
Já as restrições a financiamentos em terras sobrepostas a UCs e TIs existem desde 2021, mas Cristiane Mazzetti, coordenadora de campanhas do Greenpeace Brasil, explica que a Constituição sempre vetou a realização de atividades econômicas em territórios indígenas.
— Chama a atenção o fato de que os bancos não consideravam a sobreposição de uma propriedade particular com a terra indígena. Esse tipo de situação contraria o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito e usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios
Além disso, 798 propriedades que obtiveram crédito no período constavam na base pública do IBAMA de embargo em agosto de 2023, data do cruzamento de informações. O embargo é um impeditivo ao financiamento desde 2008, no entanto, não há monitoramento sobre a situação de regularidade da propriedade após a concessão do empréstimo, explica Mazzetti. Ou seja, há muitos casos em que fazendas conseguiram dinheiro e só depois tiveram suas atividades embargadas.
— Existe série de lacunas nas normas que regulamenta diferentes formas de financiamento ao agronegócio. A regra prevê veto da operação propriedade embargadas, mas só se o embargo aconteceu antes. Não existe critério que exija monitoramento contínuo do imóvel rural depois de ter recebido crédito.
Por isso, Mazzetti destaca que o relatório foi capaz de evidenciar tanto descumprimento de regras quanto lacunas nas políticas.
— O estudo evidencia a necessidade de maior rigor no cumprimento das normas vigentes e uma série de melhorias nos critérios socioambientais para a concessão de crédito rural, a fim de cobrir as lacunas na regulação do crédito rural. É preciso colocar em prática, por exemplo, a exigência de monitoramento contínuo das propriedades financiadas e a verificação da legalidade do desmatamento se este for identificado no imóvel rural, vide que apenas uma pequena porcentagem do desmatamento ilegal é embargada.
Estudos de caso
Para ilustrar o problema, o relatório esmiuçou 12 casos em que bancos liberaram créditos para imóveis onde houve registros de desmatamentos ilegais ou outras irregularidades. Uma dessas situações aconteceu em uma fazenda no Acre, onde mais de 300 hectares foram desmatados entre 2014 e 2022, o que motivou um embargo em 2012. Mas o proprietário conseguiu realizar o processo auto declaratório de seu Cadastro Ambiental Rural (CAR) e obteve financiamento de um banco em 2019. Um ano depois, seu CAR foi cancelado devido a irregularidades, mas como não há monitoramento posterior à liberação de crédito, o proprietário não teve maiores problemas com a operação.
Um dos casos mais graves acontece na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, aponta o Greenpeace, que sofre com avanço do desmatamento e das pastagens. Sobrevoos do Greenpeace inclusive flagraram diversas fazendas em atividade sobrepostas ao território. Segundo os dados, o Banco do Brasil forneceu 24 operações de créditos para 15 propriedades sobrepostas a TI, incluindo áreas do Parque Nacional de Pacaás Novos, que está na mesma área da terra demarcada.
O relatório mostrou também um caso de uma fazenda de Lábrea (AM), que conseguiu dois financiamentos em 2019, mesmo com 68% de seu território sobreposto à Floresta Nacional do Iquiri. Ou seja, cerca de dois anos antes das regras de restrições a esse tipo de financiamento. O CAR dessa fazenda foi suspenso pouco tempo depois, devido a irregularidades na propriedade.
Houve ainda uma situação de destaque no Pará, onde uma fazenda registrou desmatamento em 694 hectares de sua área total de 936,6 hectares, ou seja, 74% da área, desrespeitando o Código Florestal, que permite desmatamento de no máximo 20% do total da propriedade. Em 2018, o Ibama emitiu embargos, mas em nome diferente do proprietário, o que pode ter facilitado a obtenção de crédito de R$ 2 milhões em 2020.
Procurado, o Banco do Brasil afirmou que “observa critérios socioambientais na análise e condução de empréstimos e financiamentos” e que exige comprovações da regularidade socioambiental dos empreendimentos. O banco disse ainda usar inteligência artificial para verificar possíveis restrições, mas “se abstém de comentar operações e serviços prestados, em respeito ao sigilo bancário, comercial e empresarial”.
Já o Ibama disse que atua “de forma estratégica na área de fiscalização para combater o desmatamento ilegal em todos os biomas do país”.
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