Juiz Federal reconhece a imprescritibilidade de crime de genocídio cometido contra Tikunas no interior do Amazonas em 1988

AMAZONAS

Genocídio é crime imprescritível. Com esse preceito o juiz federal Thadeu José Piragibe Afonso, titular da 2ª vara federal da Seção Judiciária do Amazonas indeferiu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) no processo de execução da pena imposta ao réu Francisco de Souza Rodrigues, condenado pela morte de quatro indígenas da etnia Ticuna e lesão corporal em vários indígenas, durante ação criminosa, fato ocorrido no no dia 28 de março de 1988, em Benjamim Constant (AM)

A decisão do magistrado foi baseada no Estatuto de Roma (internalizado pelo Decreto nº 4.388/2002) e no Artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a imprescritibilidade dos crimes praticados contra a Ordem Constitucional, como é o caso da prática de genocídio. Um mandado de prisão definitiva foi expedido no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP).

A decisão foi tomada no Processo 0001716-18.1991.4.01.3200, de execução da pena imposta ao réu na Ação Penal nº. 91.001720-5. Instado a se manifestar acerca da prescrição da pretensão executória, o MPF requereu a extinção da punibilidade do apenado pela prescrição.

O réu foi condenado pelo crime de genocídio, à pena de 12 anos de reclusão em regime fechado, por ter participado da tentativa de extermínio de indígenas da etnia Tikuna. Ocorre que se trata de crime de genocídio, cuja imprescritibilidade encontra previsão expressa no Artigo 29 do Estatuto de Roma (internalizado pelo Decreto nº. 4.388/2002). E a Constituição Brasileira, desde 11 de outubro de 1988, reconhece implicitamente a imprescritibilidade das práticas genocidas, que nada mais
são do que crimes de racismo animados pela intenção racista de exterminar um povo, alegou o juiz.

Sobre a gravidade do crime, ele cita as considerações “magistralmente” lançadas na sentença condenatória, da lavra da eminente juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe:

“O acusado Francisco de Souza Rodrigues participou em elevado grau na empreitada criminosa, pois produziu disparos contra membros do grupo étnico Ticuna, os quais resultaram na morte comprovada de quatro de seus membros, a lesão corporal em vários e o desaparecimento de outros nove silvícolas.

A natureza do delito e a forma fria e firme como o cometeu demonstram que a personalidade do acusado é marcada por conceitos amorais e por desvios dos padrões ético-sociais de conduta, fazendo de tudo para não responder por seus atos delituosos, pois que, até a presente data não compareceu em juízo para o fim de responder pelo crime a ele atribuído, procurando, assim, dificultar o esclarecimento dos fatos e inviabilizar o surgimento da luz sobre a penumbra que envolvia a autoria do crime de que estes autos se ocupam em apurar.

As conseqüências do crime foram trágicas para a humanidade, pois que contribuiu para a destruição de boa parte daquele agrupamento humano, o que restou por ferir a vida em comum do referido grupo étnico na comunidade dos povos e colocar em risco a existência de etnia que a humanidade pretende ver resguardada.

O prejuízo para a humanidade e para os familiares e amigos das vítimas foi incalculável, pois a morte de membros do grupo étnico Ticuna, pela simples razão de serem integrantes de tal grupo, além de demonstrar uma atitude preconceituosa e desumana, causou a desagregação do grupo e incomensuráveis sofrimentos, uma vez que tais acontecimentos não só puseram em cheque a existência do grupo étnico, como também a sobrevivência do grupo familiar a que pertenciam as vítimas fatais, sem embargo de comprometer a tranqüila e ordeira convivência em comum dos sobreviventes do grupo, especialmente pela dor que a morte de um ente querido produz e pela aflição que o desaparecimento ocasiona, em face do desconhecimento dos fatos e circunstâncias que o ensejaram.

A hediondez dos fatos imputados ao Réu, norteados pelo infamante propósito de exterminar grupo étnico nacional e a forma cruel como foi executado, quando as vítimas indefesas foram colocadas diante de uma expectativa inapelável da morte, naquela tarde de terror e barbárie, conduzem, inevitavelmente, ao mais profundo juízo de reprovabilidade.”

O Massacre do Capacete, também chamado Massacre dos Ticuna, ocorreu após a Fundação Nacional do Índio (Funai) informar, no início dos anos 80, que as terras ticuna seriam demarcadas. O anúncio provocou ameaças contra os índios feitas pelos posseiros.

Os índios ameaçados, marcaram uma assembleia para 28 de março. No dia da assembleia, enquanto os indígenas se reuniam para debater a demarcação de terras, 14 homens armados com rostos escondidos e roupas camufladas, invadiram atirando o local, matando e ferindo indígenas reunidos na Boca do Capacete. Os ticuna, surpreendidos, não reagiram.

A tragédia teve repercussão internacional, pois todos os 14 mortos e 23 feridos eram indígenas. Entre os mortos, cinco crianças. Os sobreviventes apontaram os 14 participantes e acusaram como responsável pelo massacre, Oscar Castelo Branco, que era o maior vendedor de madeira da região. Os acusados entraram com várias apelações. O crime foi tratado, inicialmente, como homicídio, mas por pedido do Ministério Público Federal o caso foi julgado como genocídio.

Em julho de 1998, foram emitidos mandados de prisão dos acusados. Dois meses depois, eles seriam declarados foragidos. Em 1999, todos os envolvidos foram presos. Treze anos após o Massacre dos Ticuna, em 18 de maio de 2001, Oscar Castelo Branco foi condenado a 24 anos prisão como mandante do crime pela 1ª Vara da Justiça Federal em Manaus.

Dos outros 14 réus, 13 foram condenados a penas que variavam entre 15 e 25 anos de prisão. Mas, em 4 de novembro de 2004, o madeireiro Oscar de Almeida Castelo Branco foi absolvido pelo Tribunal Regional Federal. As penas de outros cinco condenados como executores do genocídio foram reduzidas para 12 anos e, por unanimidade, a redução foi estendida aos outros acusados que não apelaram.

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