São Paulo — Somente neste ano, mais sete associações firmaram acordos de cooperação técnica com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para efetuarem descontos diretamente na folha de aposentados. Como mostrou o Metrópoles, somente as 29 associações credenciadas até dezembro do ano passado faturaram R$ 2,2 bilhões entre 2023 e 2024, em meio a 62 mil processos judiciais e condenações por fraudes nas filiações de aposentados. O salto de faturamento delas foi de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões por mês.
Os acordos são firmados pela diretoria de benefícios do INSS. Os resumos de seus termos são publicados no Diário Oficial da União. As entidades oferecem serviços, como seguros de saúde e até auxílio funeral, em troca de descontos de percentuais e valores fixos das aposentadorias. A maior parte desses contratos não está no site do INSS, na página destinada a eles, e o órgão não deu acesso desses documentos à reportagem em pedido de Lei de Acesso à Informação.
As entidades aprovadas nesse ano têm nomes que são verdadeiros jogos de combinação daqueles das entidades que já estão no INSS há mais tempo. O Metrópoles levantou quais são e o valor dos descontos na folha:
- Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionista (Aasap) – desconto de 2,5%
- Associação Nacional de Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (ANDDAP) – desconto de 2,5%
- Casa de Apoio ao Beneficiário Previdenciário de Aposentadoria e Pensão do INSS (CABPREV) – desconto de 3,09%
- Associação Nacional de Benefícios Para Aposentados e Pensionistas (Keeper) – desconto de 4,07%
- Associação de Assistência Social à (sic) Pensionistas e Aposentados (AASPA) – desconto de 5%
- Central Nacional de Aposentados e Pensionistas (Cenap/Asa) – desconto de 2%
- Associação dos Beneficiários da Previdência Social do Brasil (Abenpreb) – desconto de 2,5%
Como mostrou o Metrópoles, parte dessas associações, que mal chegaram no INSS, têm também relações com corretoras de seguros e até mesmo elos com outras entidades que fazem parte da farra dos descontos e acumulam milhares de processos judiciais.
Amar e Aasap
É o caso da Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionista (Aasap), que firmou termo para descontar 2,5% dos vencimentos de aposentados em março de 2024. No papel, a associação era chamada de Chronos Clube de Benefícios, com o mesmo CNPJ, até novembro de 2023, quando mudou o nome para Aasap e o endereço para o bairro do Brooklin, na zona Sul de São Paulo.
A Chronos é uma associação no papel, mas presta serviços mesmo de seguros para colisões e roubos de veículos. É o que consta em um longo contrato obtido pelo Metrópoles entre um cliente e a entidade.
Até novembro do ano passado, quando mudou de nome e endereço, a Aasap também pertencia à família de Américo Monte, que é secretário-geral da Amar Brasil Clube de Benefícios. A neta dele, Micaela, e o filho, Waldemar Monte Neto, estavam como diretores em seu estatuto. Eles renunciaram e a entidade ficou na mão de aposentados – um deles morador da Zona Sul de São Paulo.
A Amar Brasil, como mostrou o Metrópoles, tinha faturamento de R$ 2,4 milhões em janeiro de 2023 e hoje arrecada R$ 10 milhões mensais com contribuições de aposentados. Ela tem enfrentado processos e condenações judiciais.
A reportagem revelou ainda que há um site quase homônimo com o CNPJ de uma empresa de seguros veiculares chamada Meu Bem Protegido, que está também em nome de Micaela.
Ela chegou a ser investigada por falsificar assinaturas de aposentados em uma empresa do pai, Américo Monte Junior, mas o inquérito foi para o arquivo quando uma testemunha disse ter perdido um vídeo no qual ela ensinava a fraude a funcionários.
Correram para tirar o nome
Uma dessas entidades mais novas é a Associação dos Beneficiários da Previdência Social do Brasil (Abenpreb). Segundo seu registro na Receita Federal, a entidade foi aberta em abril de 2022, e é presidida por uma aposentada de 72 anos do Rio de Janeiro. No mesmo registro, consta o contato da corretora de seguros Pryde.
A Pryde pertence a um empresário que é dono de corretoras de seguros. Uma delas acumula condenações e acordos para indenizar correntistas de bancos por aparecer, de surpresa, descontando valores indevidos de contas correntes.
A empresa afirmou ao Metrópoles não ter “qualquer relação” com a Abenpreb e diz “desconhecer qualquer motivo que vincule” seu “endereço eletrônico à ela”. Nenhum contato da Abenpreb funciona e a reportagem não localizou seus reponsáveis.
Nos dias seguintes, curiosamente, o contato da Pryde foi retirado do registro da Abenpreb. O telefone foi retirado e, em seu lugar, consta o número “000800-9400”, que não existe.
Uma outra entidade, que leva o nome de Keeper, é homônima a uma empresa de seguros de veículos para a qual a dona de seu site trabalhou no passado. Ela também tem passagem profissional em outras entidades de aposentados que enfrentam processos por descontos indevidos. A reportagem não localizou a Keeper.
Diretor do INSS omite dados e não vê falha
A reportagem enviou à diretoria de benefícios do INSS perguntas sobre falhas na verificação dessas associações e a respeito do motivo pelo qual a área continua a aprovar tantos acordos mesmo em meio a uma chuva de ações judiciais e reclamações de descontos fraudulentos. A reportagem também encaminhou perguntas ao órgão sobre o elo entre empresas de seguros e as entidades e a suspeita de que parte delas firmou contratos com o INSS sem ter sequer saído do papel.
O diretor de benefícios André Fidelis afirmou que o INSS não falhou no dever de fiscalizar essas entidades e disse que as reclamações sobre descontos indevidos não chegam a 2% do total dos descontos em todo o país. Ele também lembrou que o INSS não deve responder pelos descontos indevidos atribuídos a associações. O diretor de benefícios do INSS ainda afirmou que todos os casos de irregularidades serão investigados.
Fidelis enviou à reportagem uma planilha com acordos que afirma ter firmado e aqueles que foram feitos em governos e gestões anteriores do INSS. Nesse documento, ele atribui a si mesmo a assinatura de dois acordos em 2024 – foram sete. Também cita prorrogações de acordos com entidades antigas como se fossem assinaturas de novos termos.