De novo um dia de chuva. Nem a meteorologia havia previsto 33 milímetros, com água inundando ruas, casas e provocando desabamentos de barrancos em Manaus. Um dia trágico para centenas de famílias que perderam móveis e hoje dormirão ao relento. A previsão de mais chuvas para esta sexta-feira é assustadora. Depois de uma semana de sol, com a temperatura chegando a 35 graus, foi uma surpresa o volume d’água que caiu sobre a cidade logo ao amanhecer.
As queixas foram as de sempre, acompanhadas por lágrimas, como do seo Raimundo Reis, que teve a casa inundada, a cama ensopada por lama, geladeira queimada. Dos utensílios da casa sobrou apenas a botija de gás, vazia. ‘Vai ser uma noite desesperadora’, diz ele
Vítima de outras tempestades, Raimundo não saiu da beira do igarapé e, novamente, repete críticas antigas ao poder público, que segundo ele, não ajuda.
De fato, os temporais provocam inundações por dois motivos: o primeiro é a falta de uma rede pluvial, com capacidade de fazer a retenção da água das chuvas; segundo, os igarapés – alguns maquiados com um saneamento que na prática consumiu recursos públicos consideráveis nas várias administrações, mas que nunca existiu – que transbordam, a cada chuva, avançando sobre ruas e casas, deixando um rastro de destruição.
A diferença do seo Raimundo para muitos moradores atingidos pelas chuvas desta quinta-feira, é que parte deles já ganhou casa do governo, especialmente no chamado “Viver Melhor”, um inferno dominado pelo tráfico, com apartamentos construídos pelo governo exatamente para acolher famílias que viviam em áreas vermelhas. Sem cuidado de selecionar beneficiários, o deslocamento dessas famílias que sonhavam com um lugar menos insalubre para viver, foi acompanhada pelos xerifes do tráfico.
Na prática, o poder público sabia o que estava fazendo: eliminava uma favela e muitas bocas, como ocorreu na Colônia Oliveira Machado, e deslocou a mesma área vermelha para o “Viver Melhor”, próximo a barreira da Am 10.
Xerifes e “boqueiros” também ganharam apartamentos e o terror das famílias continuou. Poucos resistiram ao assédio dos traficantes e venderam seus imóveis por procuração, driblando as restrições do governo e voltando para os igarapés ou aumentando o exército de invasores em torno da cidade.
Basta uma chuva para expor a fantasia dos Prosamins – a menina dos olhos de políticos que mantêm um escandaloso divórcio com a cidade. O projeto tem a bênção e grana do Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas contribuiu pouco com Manaus. Não saneou igarapés e não resolveu o problema da habitação de famílias que residem em áreas de risco. Em contrapartida, resolveu o problema dos políticos engajados…