Era para ser um fim de semana relaxante. Três casais de amigos estiveram na Chapada dos Veadeiros nos últimos dias de janeiro para aproveitar o tempo livre e comemorar que um deles havia pedido a namorada em casamento.
Após passar o dia em uma cachoeira, eles se dirigiram a um barzinho na região, onde tomaram cerveja e ouviram música ao vivo. Esses foram os últimos momentos de tranquilidade para a maquiadora Jully da Gama Carvalho e o marido Jairo Soares. Pela primeira vez, Jairo narrou os momentos perturbadores daquela noite.
Ouça o depoimento inédito:
Naquela noite, um desentendimento com o segundo-sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) Andrey Suanno Butkewitsch resultou em uma briga no estabelecimento. Os sons das risadas e da música foram substituídos, na memória da família, pelo estrondo de quatro disparos contra o carro.
Incialmente, eles não sabiam que a bala tinha alvejado Jully. O marido estava dirigindo e acelerou o carro para escapar da mira do bombeiro. “Minha esposa estava sussurrando, com os olhos fechados. Achei que estivesse orando”, lembrou Jairo.
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andrey militar maquiadora
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Quando chegaram ao local em que estavam hospedados, Jairo carregou Jully nos braços até o sofá. “Pensei que estava tendo uma crise, estivesse em choque. Eu ficava repetido ‘calma, amor’”, detalhou Jairo.
Ao mesmo instante, o irmão percebeu que estava com a perna ensanguentada, mas não tinha sido atingido. Ele estava no banco de passageiro, atrás de Jully.
“Eu olhei a cabeça dela que estava no meu ombro e vi que estava aberta. Ali foi uma sequência de gritos, socorro e clamor para Deus”, comentou. “Colocamos de volta no carro, meu irmão dirigindo [a caminho do hospital] e eu com ela, fui percebendo que ela foi perdendo a pulsação”.
Do hospital de Cavalcante, ela foi encaminhada ao Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), onde fez a primeira cirurgia para remover fragmentos de estilhaços que ficaram alojados no cérebro.
Maquiadora baleada na cabeça por bombeiro do DF: “Choro toda noite”
“Ela teve perda de função motora do lado direito, perda de olfato, de paladar; a visão dela também ficou turva e apresenta crises de esquecimento, especialmente da memória recente”, disse.
Após a cirurgia, Jully demorou três dias para voltar a falar e, quando conseguia, só dizia cerca de duas palavras e já sentia dor. “Uma noite que nunca vou esquecer e é algo que não desejo nem para o próprio Andrey: ver a pessoa que você ama gritando no hospital que tem algo rasgando o cérebro”.
Família dilacerada
A violência causada por Andrey dilacerou uma família. Apegados ao que poderia ter acontecido, cada um presente naquela noite pensa em uma teoria para mudar o triste desfecho da noite. “Eu penso que se não tivesse caído na provocação do bombeiro, que se tivesse saído mais rápido, podia ser diferente”, contou Jairo.
O irmão dele pensa que se tivesse ficado em pé poderia ter recebido o tiro no lugar de Jully. A cunhada lamenta que deu a ideia de ir para a Chapada. “Além dela, os meus filhos, meus irmãos, minhas cunhadas, minha mãe e minha sogra também estão extremamente abalados”, relatou.
“Meus filhos mesmo só ficaram sabendo depois. Eu precisei ter coragem para contar, porque, até então, só sabiam que ‘mamãe’ estava no hospital. Meu irmão que estava no carro tem crise de pânico, não consegue ouvir um escapamento de moto que tem um surto”.
Perda de emprego
O crime por si só já seria uma tragédia, mas dois dias após a violência sofrida, a família de Jully teve que lidar com outro baque. Jairo foi demitido do emprego de corretor de seguros. Ele era contratado como Microeemprendedor Individual (MEI) e, com a demissão, não teve direito a FGTS, férias nem mesmo o aviso prévio.
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“É algo que não desejo nem mesmo para esse covarde que atirou nela: ver a pessoa que você ama todos os dias com dor e não saber o que colocar no prato dos seus filhos”, declarou Jairo. O casal tem três filhos pequenos, que também tiveram a vida abalada.
A família saiu do apartamento em que moravam de aluguel para morar com parentes e tenta conseguir recursos para ajudar no tratamento da maquiadora e nos custos de vida. Até o momento, eles não receberam um centavo sequer do agressor, Andrey Suanno Butkewitsch, que está preso.
Jully está no Hospital de Base se recuperando da segunda cirurgia e deve ser encaminhada para o Hospital de Apoio, para receber o acompanhamento de fisioterapia.
Como ajudar
A família montou uma vaquinha on-line para arrecadar os valores. A plataforma cobra uma taxa de 6,4% do total bruto arrecadado e R$ 0,50 por cada transação feita.
Desta forma, quem preferir ajudar diretamente para família pode fazer via Pix para o CPF de Jully, com a sequência 039.156.331-94.
Outro meio de ajudar é com apoio profissional de saúde, assim que Jully sair dos hospitais. “Sabemos que vai ser uma reabilitação longa”, destacou Jairo.
O marido disse, ainda, que quem não puder contribuir financeiramente pode ajudar Jully seguindo nas redes sociais. O perfil dela é jullycarvalh_ no Instagram.
“Isso vai ajudar o trabalho dela quando se recuperar e vai motivá-la a seguir com seu trabalho”, completou Jairo.
Diariamente, Jairo publica notícias sobre a saúde e a recuperação de Jully pela página nas redes sociais.
Bombeiro é indiciado pela PCGO
A Polícia Civil de Goiás (PCGO) indiciou Andrey Suanno Butkewitsch. Em um vídeo, é possível ver o momento em que as agressões começam, por volta de 0h47. Conforme as imagens, dois homens se estranham e trocam socos, e outras pessoas acabam se envolvendo na briga.
Veja o vídeo:
A situação fica fora de controle, e alguns dos envolvidos deixam o local, seguindo em direção a um carro. Nesse momento, conforme flagrou uma segunda câmera de segurança, o militar sacou uma arma e atirou contra o veículo. O projétil atingiu a cabeça da maquiadora.
De acordo com as gravações, após efetuar o disparo, o militar retorna com a arma para o bar. Um outro vídeo mostra o momento em que ele coloca a pistola em um balcão do comércio, mostra um documento a um funcionário do local e depois se retira.
GSI
Quando atirou na maquiadora, Andrey estava lotado na Presidência da República e também fazia parte do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Segundo consta no Portal da Transparência, o militar atuava desde 2019 no órgão do governo federal responsável pela segurança do presidente da República.
A Corregedoria do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) informou, em nota, que apura o “suposto envolvimento de um militar da corporação”.
“Informamos que os fatos estão sendo apurados e, se confirmada autoria e materialidade, a Corregedoria irá adotar as providências internas que o caso requer. Reiteramos ainda que o CBMDF não compactua com condutas delituosas de qualquer natureza e primamos pela conduta ilibada e exemplar da tropa, que são pautadas pelos regulamentos e pilares que norteiam a Corporação”, disse o CBMDF.