São Paulo — No último ano, em pelo menos duas oportunidades, o ex-procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, que deixou o cargo para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública, o MPSP apelou contra precedentes de Cortes Superiores que impactariam em investigações. Uma delas foi quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vetou investigações abertas com base em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) confeccionados a pedido de investigadores. A outra foi para defender o uso de provas do acordo de leniência da Odebrecht.
Na sucessão de Sarrubbo, a insatisfação de promotores com precedentes e seus impactos em investigações voltou a ficar em evidência. “Estão acontecendo situações que acabam prejudicando o trabalho dos órgãos de segurança e mesmo dentro do sistema de Justiça que não são compreendidos pela sociedade”, diz o procurador de Justiça Paulo Sergio de Oliveira e Costa, que é candidato à Procuradoria-Geral de Justiça.
MPSP: candidato critica Sarrubbo na política e diz que PCC manda em SP
Ele se refere a decisões do STJ que têm anulado investigações em razão de supostas irregularidades em entradas de policiais em domicílios. Também critica a excessiva aceitação de habeas corpus usados para fins diferentes daqueles previstos no recurso em seu sentido estrito: o pedido de liberdade em situação de flagrante ilegalidade da prisão. Caso integre a lista tríplice e seja nomeado ao cargo, diz que irá se posicionar contra esses precedentes. Entre suas prioridades, está o aumento da prestação de contas para as vítimas dos crimes que os promotores investigam.
Elogioso e alinhado a Sarrubbo no MPSP, ele vê em sua saída uma forma de “prestígio” aos promotores paulistas. Paulo Sérgio também já esteve no governo. Foi presidente da Febem nos anos 2000. Menos crítico à ida de promotores e procuradores à polícia, mesmo assim, defende que, um dia, haja regras de quarentena para integrantes do MP. Diz, ainda, que não entraria para a longa lista de ex-procuradores-gerais de Justiça que foram parar em secretarias do governo estadual.
O Metrópoles pediu entrevistas aos cinco candidatos à Procuradoria-Geral de Justiça. A primeira entrevista, na semana passada, foi com o procurador de Justiça José Carlos Bonilha. Leia, a seguir, a conversa com Paulo Sergio de Oliveira e Costa.
O Estado de São Paulo tem longo histórico de procuradores-gerais que vão parar no governo estadual. Se o senhor tivesse a oportunidade, seria mais um nessa lista? Isso passa uma ideia de proximidade excessiva do MP com o Executivo?
Todos os integrantes do Ministério Público que ingressaram antes de 1988 podem receber um afastamento e exercer algumas funções em órgãos do Executivo que sejam compatíveis com as nossas atribuições. Já tivemos casos também de ex-procuradores-gerais exercendo essas funções. Dentro da regra atual, sem a quarentena, um instrumento que pode ser bastante interessante, é permitido. Isso veio para o fortalecimento da instituição. Naquelas funções que são compatíveis com você, é possível exercer uma série de ações que são típicas de MP. Não é por si só o afastamento que já vai mostrar absoluta dependência ou subserviência ao Executivo. Eu já tive oportunidade de presidir a antiga Febem. Era uma atividade compatível com a atribuição de MP, mas, falando por mim, não por ninguém, por nenhuma crítica, eu não me afastaria novamente, principalmente em seguida a exercer a função de procurador-geral de Justiça, ou durante o mandato de procurador-geral de Justiça.
Como o senhor recebeu a saída do procurador-geral para o governo federal?
O convite que o ministro Lewandowski fez para o afastamento do Dr. Sarrubbo, para nós, é um reconhecimento do trabalho do Ministério Público do Brasil inteiro. É também um reconhecimento pelo trabalho feito pelo Mario Sarrubbo durante esses quatro anos de gestão, onde, aqui em São Paulo, ele ajudou a enfrentar a pandemia, teve uma atuação muito forte na área criminal estruturando os Gaecos. Veja, o dr. Sarrubbo não está se afastando, ele vai se aposentar do cargo dele e vai deixar o mandato como procurador-geral dias antes de terminar. Não é no meio do mandato.
O que o senhor manteria e aperfeiçoaria e o que o senhor mudaria no MP de São Paulo?
O que precisa ser feito dentro do Ministério Público é, cada vez mais, criar condições que permitam que os promotores possam atuar de maneira mais eficaz. Hoje, o que se propõe é uma ação menos demandista e mais estruturante. Só se buscar o Judiciário mesmo naqueles últimos casos. O perfil que a Constituição nos deu é de agente político, que, dentro de suas atribuições, tenha capacidade de, juntamente com outros órgãos, buscar ações estruturantes da sociedade. É diferente do juiz, que é mais estático para decidir aquelas situações. O Ministério Público deve atuar, por exemplo, muito fortemente também em defesa da vítima do crime e das violações de direitos. Essa seria, por exemplo, uma prioridade.
Vejo, quando muito, a vítima de um crime acompanhar uma investigação quando se habilita como assistente ou interessada. Isso demanda dinheiro. Qual é exatamente a sua proposta em relação a isso?
Nós nos preocupamos muito só com a punição do réu e isso tem que ser mantido, mas nós temos que deslocar geograficamente a vítima para que ela tenha um papel de protagonismo no processo penal. Já existem normas no Conselho Nacional do MP que autorizam esse tipo de postura, fazer com que a vítima contribua na obtenção das provas, seja cientificada da solução dos casos. Muitas vezes, alguém foi vítima de um roubo, o processo anda, anda, e ninguém informa a vítima. Eu acho que é papel de todo o MP prestar contas para a vítima de algum crime em relação à ação contra o autor desse fato criminoso. Vou te dar um exemplo: existem esses aplicativos de celulares que disparam mensagens de alerta sobre chuva muito forte, terremotos. Através de um robozinho, pode-se disparar: “Meu nome é fulano, eu sou promotor do caso em que o senhor foi vítima do roubo, esse processo está andando em tal vara criminal, estamos à disposição”. Também é preciso agir fortemente pelo ressarcimento da vítima quando for possível. Eu conheço várias pessoas que foram vítimas de crimes e que nunca mais souberam o que aconteceu com o criminoso, nem sabem o que aconteceu com essas pessoas, ou, quando vem depois, é um depoimento burocrático em que não há nenhum acompanhamento depois.
O PCC está em diversos estados, mas nasceu em São Paulo e continua a se expandir. O que fazer para combatê-lo e quem está vencendo, de fato, essa guerra?
O fato é que muitas vezes a gente verifica que estão acontecendo situações que acabam prejudicando o trabalho dos órgãos de segurança e, mesmo dentro do sistema de Justiça que não são compreendidos pela sociedade. algumas decisões, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento é mais liberal em termos de coleta de prova e acabam gerando na sociedade uma incompreensão, e mesmo nas forças de polícia, que acabam se inibindo no combate à criminalidade. Eu vou dar um exemplo para você: a Constituição garante a inviolabilidade do domicílio. Só nele entrar se for autorizado, numa ação policial, se o dono do imóvel autorizar a entrada. Mesmo autorizando, surgem decisões no sentido de que essa autorização precisa estar gravada ou por escrito. Então se anulam provas muitas vezes em razão disso. O STF tem corrigido algumas situações como essas. Tudo isso passa como uma incompreensão muitas vezes para a sociedade e para todas as pessoas. É o seguinte: Olha, a gente quer combater o crime, mas algumas decisões dificultam isso. O procurador-geral deve continuar a ir a este tribunal, a combater todas essas decisões respeitosamente, mas de maneira firme.
Esses precedentes atrapalham a solução de crimes?
Não ajudam, porque isso acaba inibindo aqueles encarregados de atuar. O policial prende, as pessoas são soltas, anula-se o processo. Hoje, por exemplo, o habeas corpus passou a ser um recurso em substituição a todos os outros, é aceito com muita facilidade. É excessivo o número de aceitação de habeas corpus, o que vem gerando prejuízo, já que os recursos comuns e próprios para essa apreciação pelo STJ são substituídos por procedimentos rápidos no habeas corpus que venham a anular processos inteiros.
Vez ou outra, as polícias divulgam a prisão do que chamam de “lideranças” do tráfico na Cracolândia. Muitas delas acompanhadas de flagrantes de quantidades não tão impressionantes de drogas. O combate às organizações criminosas é por esse caminho?
Como é um fenômeno extremamente complexo e sofisticado, eu entendo que o ataque deve ser feito em todas essas pontas. É muito importante a ponta financeira, isso atinge muito fortemente a estrutura do tráfico. A questão das lideranças, eles se substituem rapidamente. Então, você citou um exemplo da Cracolândia, mas ela é uma situação mais específica, porque envolve não só questão do tráfico como questões outras de desordem urbana que vão desde a corrupção, desde a exploração imobiliária, a questão que envolve os usuários — que é uma situação muito triste e que demanda uma atenção muito grande do estado para a proteção e recuperação dessas pessoas. Em relação à pergunta sobre quem está ganhando a guerra em relação ao tráfico de entorpecente, ele vem se estruturando há muitos anos, e infelizmente virou algo transnacional. É preciso reforçar mecanismos de inteligência com estados e outros MPs para combater a lavagem do dinheiro, a questão de mercados ilegais.
Se indicado, o senhor terá de tratar sobre diversas questões com o governador. Há um tema sensível às investigações, que é o das câmeras em uniformes de policiais. Eleito pelo bolsonarismo, Tarcísio ora critica, ora elogia as câmeras. Uma palavra final sobre elas não ajudaria o MPSP, especialmente no controle externo das polícias?
Essa discussão sobre as câmeras corporais acabou sendo prejudicada por conta de um debate ideológico. Saiu uma recomendação do Conselho Nacional de Segurança Pública no sentido de recomendar aos governos o uso das câmeras. Além de combaterem a letalidade policial, elas são relevantíssimos instrumentos de prova nos nossos processos, e também muitas vezes salvam vidas de policiais. A câmera é um aspecto, mas quando a gente fala em segurança pública como um todo, a gente tem que tratar tecnicamente, sem armadilhas ideológicas, porque existem outros aspectos que envolvem a formação de bons policiais, a estrutura material para as polícias, os institutos científicos, questão do salário dos policiais, tudo isso deve ser considerado no governo. Mas as câmeras foram mantidas, mantidos os contratos, a ampliação está sendo discutida e é algo agora que, com a recomendação, deve acontecer. E mesmo nessa recomendação ressalva-se que deve ser considerada a capacidade orçamentária dos estados. Tudo isso tendo em vista o investimento em câmeras de rua, em um sistema de inteligência, que é necessário para que se incorporem medidas numa amplitude muito maior.
Em São Paulo, houve muitas operações de combate à corrupção em primeiro grau, mas raras são as investigações conclusivas sobre as quais se tem notícia sobre deputados, juízes e secretários de Estado. Por que o MP incomoda pouco os detentores de foro privilegiado?
Olha eu vou discordar de você firmemente de que eles sejam pouco incomodados. Nós temos muita confiança e orgulho dos nossos Gaecos, eles têm uma atuação muito firme em todas as áreas no âmbito criminal e, inclusive, deram apoio a diversas ações no Estado inteiro em relação a prefeitos, a secretários municipais, a pessoas de todas as instâncias envolvidas em qualquer ação e agem muitas vezes com os promotores do patrimônio público. Existem inúmeras ações da promotoria de patrimônio público de São Paulo que tem um movimento muito grande e que tem uma atuação muito firme. E não se trata de serem incomodados ou não, mas de existirem elementos para que essas pessoas possam ser de fato investigadas. E, quando se obtêm esses elementos, o Ministério Público age muito firmemente. Há, por exemplo, as questões de fraudes estruturadas, de sonegação fiscal. Isso melhorou muito, inclusive com parcerias com o governo através da Secretaria Estadual da Fazenda e da Receita Federal.
Mas qual foi a última operação do MP que investigou e levou à punição de um agente com foro privilegiado, por exemplo, nos últimos cinco anos? Houve alguma digna de nota?
Vários casos foram investigados. Eu vou me permitir não dizer o nome. Vários foram investigados, mas, se não houve ações do Ministério Público no sentido de ter busca apreensão, operações dessa natureza às quais você se refere, é porque não havia justa causa para a realização disso. E não sou eu, o Ministério Público, essa instituição, eu estou há 38 anos aqui e ela não se curva a nenhum dos outros poderes de estado. Até porque o chefe do Ministério Público, ele é chamado de chefe, mas ele é uma figura com restritas atribuições em termos de algumas autoridades que ele vai investigar, mas os promotores de Justiça, no dia a dia, atuam de maneira extremamente firme também na responsabilização.
Em sua campanha, e na de seus pares, como usual, deve aparecer novamente a pauta corporativa do MP, que envolve remunerações, créditos a pagar. Isso também acontece no Judiciário. Essas carreiras já não ganham muito, inclusive acima do teto constitucional? Com a ênfase nesse tema, qual recado o MP passa quando suas eleições focam demais nisso?
Toda a nossa política remuneratória, nosso sistema remuneratório, ele é previsto em lei e muitas vezes esses ganhos são autorizados pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pelo Conselho Nacional de Justiça, que equiparou as nossas duas carreiras, do MP e do Judiciário. São ganhos previstos em lei. Acontecem situações em que, em razão de acumulações ou de situações que surgem no âmbito interno de gestão do Ministério Público, as pessoas são designadas a realizar algumas acumulações, alguns trabalhos, mas a estrutura orçamentária não tem agilidade de efetuar a contrapartida da remuneração num prazo adequado. Então esses valores ficam se acumulando, e, muitas vezes, quando eles se acumulam, é necessário se criar um sistema de solução desses débitos atrasados. É por isso que, muitas vezes, há sim essa pressão interna para que aqueles que detêm a responsabilidade pela gestão orçamentária venham, de maneira adequada, solucionar essas questões que estavam atrasadas, né? Não se trata de nenhuma verba que não esteja autorizada por lei, nada que esteja fora do âmbito de tratamento republicano. O Ministério Público, o Judiciário, e várias outras instituições públicas têm o portal da transparência, as remunerações, todas comprovadas e previstas em lei, então eu não vejo que isso passe um recado negativo para a sociedade. É uma carreira que as pessoas fazem a opção de vida, né? Como muitas outras carreiras e que tem um sistema diferenciado remuneratório que permite que você venha atuar, mas a gente, na grande maioria, não atua só na própria função. Você acaba sempre cobrindo férias, acumulando, exercendo funções extras que são algo que está no âmbito da gestão do Ministério Público.