No lago dos sonhos (por Roberto Caminha Filho)

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Eu não gosto de pescaria, caçadas e outras aventuras mais arrojadas. Os meus amigos me sequestraram até Barcelos, uma cidade às margens do Rio Negro, no Amazonas, conhecida pelo seu imenso arquipélago e seus lagos ricos em peixes e caças.

A viagem para Barcelos foi em barco de luxo, e eu já perguntei quanto seria no Motor da Linha. O preço é de R$220,00, uma ida ou volta, e você tem direito a estender a sua rede. No camarote você já deixa R$1.000,00 e tem direito a um ar condicionado, coisas para o Rei Charles, ex-príncipe.

Chegamos a Barcelos e demos de cara com as mais lindas praias de rio e tratamos de comprar os melhores limões, cheiro-verde, alfavaca, coentro e tucupi, aquele molho que faz qualquer comida ficar ótima. Eu acredito que o tucupi fará parte da Bolsa Detento, por melhorar qualquer prato amazônico.

Sacamos os anzóis e partimos para as canoas de pesca, movidas a motor de popa e fomos na direção dos lagos da Ramada e Anauali. Uma beleza!

A paisagem, onde o maior arquipélago do mundo se apresentava, era  de um deslumbramento total. Entramos no Lago da Ramada e nos preparamos para encher as nossas câmeras de fotos coloridas e ganhadoras de concursos. Os caboclos começaram a mostrar, com as mãos abertas, o tamanho dos peixes que tinham nas suas canoas. Um tambaqui vivo, de doze quilogramas, que compramos na cidade por R$300,00, o conterrâneo oferecia por R$20,00 e deixava por R$15,00. Dei R$50,00, peguei uns limões que ele me deu e deixei o troco. Voltei, imediatamente, para o barco e fui para a cozinha. Eu pensava que ia fazer os pratos mais sofisticados, pelo tempo que tinha até a volta dos Pedros da Galiléia, os meus amigos pescadores.

Começamos a fazer um sashimi de tucunaré e os caboclos começaram a chegar e oferecer os mais diversos produtos da região. Capelão, o marido da guariba, já sem pelos, quartos de porco do mato, quartos de veado, quartos de anta, queixada, paca, mutum, pato do mato gigante, recém descido do Canadá, rabo de jacaré e as duas iguarias que eu não conhecia e que era doido para conhecer: ova de pirarucu e a mixira de tartaruga, que é a conserva feita e guardada na sua própria gordura. A mixira mais conhecida é a do peixe-boi e a melhor é a da tartaruga. Eu não gosto de nenhuma das duas. A ova do pirarucu, do tamanho de bolas de golf, é de um  sabor que só os Chefs Laurent e Troisgros podem dar as notas. Confesso que fui bem surpreendido pela qualidade da iguaria. As ovas foram servidas em torradas de açaí e sumos de limão, araçá-boi e camu camu. Derreteram-se todas as bronzinas das minhas resistências aos pratos exóticos da minha terra. Alimentei o meu colesterol com um arabu de 10 ovos de tracajá, só as gemas, batidas com farinha, açúcar, sal e devoradas com a casca do pão e café preto. Fiquei apto para mais trinta anos de vida saudável e com proteínas nas alturas. Não existe caboclo sem músculos. Nenhum Chef do mundo, dá 9,9 para um arabu.

Os botos pulavam, um jacaré com cinquenta centímetros de cabeça, me paquerava e a água estava mais quente do que deveria, mostrando que a seca ainda era grande e se fosse apresentada à nova vazante, a de julho, dará muitos dissabores às nossas autoridades municipais, em vésperas de eleições.

Durante o almoço, fiz uma caldeirada de tambaqui, um quarto de veado assado, farofa Dolabela, aquela do Tom Jobim, ovas de pirarucu no bafo, suco de camu camu e sorbets de banana-maçã e araçá-boi. O sorbet, vindo de uma Extratora  Royal Prestige, sem adição de químicos, coisas de gente boba. Eu fiz a caldeirada e o Mestre Chico, o melhor cozinheiro da região, fez o resto. Ele é um craque, um Pelé.

A caldeirada, feitas nos moldes do português Coimbra, é para ser imitada em qualquer lugar do mundo. Na panela de pressão, coloca-se três cabeças do peixe a ser preparado. Tudo bem lavado, pitiú ( cheiro ruim do peixe) tirado, com vinagre e limão, tempera-se, exageradamente e junta a cinco litros de água. Uma hora de fogo e as cabeças estão todas quebradas, sobrando um caldo rico e pra lá de gostoso. É este caldo, com azeite de oliva, que você jogará sobre o peixe bem tratado e deixará em fogo baixo por quinze minutos. A caldeirada, vinda do caldo rico, será inesquecível para quem a degustar. À noite, um bom pato no tucupi foi servido e depois disso, só um bom ar condicionado e muita água para uma noitada de sede.

Pela manhã, tomei um belo café e saí atrás dos ninhos dos jacus. Não os encontrei. Cadê os Ninhos dos Jacus? É lá que chegará a nova enchente.

Convido-os a uma imitação.

 

Roberto Caminha Filho, economista, procurou os ninhos dos jacus e nada.

https:metropoles

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