A última pesquisa Quaest deu o tom das manchetes políticas da semana: cai a avaliação positiva do governo Lula. O Palácio do Planalto, na visão dos analistas, começa a acender um pavio na escuridão para enxergar os elementos que interferem na percepção do eleitor. Por que a aprovação do governo cai no momento em que a taxa Selic tende a descer ao patamar de 9,25% até o final do ano, a taxa do PIB se avizinha dos 2,5% de crescimento, o desemprego cai para 7,5% e as montadoras automobilísticas prometem aplicar R$ 95 bilhões até 2032, sinalizando horizontes promissores?
E mais: por que a régua da aprovação positiva se inclina em descenso, quando o país volta a figurar na paisagem internacional, pregando a bandeira da igualdade entre os povos, comandando por um ano o G20, entidade que reúne as 20 maiores economias do planeta, tendo uma ex-presidente da República, Dilma Rousseff, como dirigente dos BRICs, a instituição que reúne os países emergentes e respirando bonança, após a tempestade bolsonarista? Tentarei cercar a questão com pequenas observações.
Primeiro ponto: a índole do presidente Luiz Inácio. Temos um mandatário-mor que é completamente dono de sua versão, não aceitando outras que venham contrariá-la. A realidade das ruas, o sentimento coletivo, na visão de Lula, é aquele que está na sua mente, no seu entendimento. O PT, por exemplo, é o partido da honra e da dignidade. Sabemos que não é bem assim. Pensa ele que o país está sendo conduzido por obra e graça de um predestinado, um governante tão bom como foram Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
Defende a convicção de que a Venezuela vive plena democracia e, indiretamente, atira contra a pré-candidata da oposição a Nicolas Maduro, Maria Corina Machado, insinuando que não fique chorando e indique o seu candidato, caso não possa vir a enfrentar o presidente venezuelano em 28 de julho, data de aniversário do falecido comandante Hugo Chávez. Expressa a ideia de entronizar o Brasil no altar da sustentabilidade ambiental, ao lado de ações que projetam a inserção do país no clube dos grandes produtores de petróleo. As posições parecem não combinar.
Uma aparente contrariedade faz sombra no perfil presidencial. Veja-se a articulação política. Um governo de esquerda, como o presidente apresenta seu modelo, teria mil restrições a negociar com as bocarras de entes partidários que só pensam em formar feudos na malha administrativa. Lula, porém, montou um esquema de articulação voltado para pescar os peixes partidários mais predadores, sem preocupação com o Tesouro nacional. É compreensível que procure meios para administrar a governabilidade, mas seria conveniente separar o joio do trigo, convencer os aliados a não irem com tanta sede ao pote. Bom senso e dever ético.
Segundo ponto: a comunicação do governo. Que se mostra errática. Comunicar não tem apenas a via de ida. Tem a via de volta. Não adianta fazer jorrar ondas de informação, de projetos, de ideias. A mensagem carece de internalização por parte do receptor, significando que deve ser consumida e, na sequência, gerar respostas. Internalização quer dizer entrar no sistema cognitivo do receptor, que decodificará as mensagens, as aceitará ou as rejeitará. O que o governo tem feito para controlar esse fluxo?
Pelo visto, a comunicação governamental abriga as entrevistas coletivas, as falas de cada ministro ou de assessores, as ações e projetos de cada pasta. As redes sociais, a nova realidade, são pouco acessadas. Faz-se oportuno reconhecer o trabalho do vice-presidente Geraldo Alckmin, que usa com boa performance as redes tecnológicas para transmitir mensagens com roupagem moderna.
O ministro da Comunicação Social, o ex-deputado Paulo Pimenta, mostra-se retraído em sua atividade de articulação junto a colunistas, articulistas, analistas e consultores, parecendo trabalhar com as ferramentas antigas da comunicação. Uma enxurrada de releases acaba ganhando a cesta do lixo. Urge conhecer o receptor, suas motivações e interesses.
Terceiro ponto: a dinâmica social. O eleitor está passado por um intenso processo de transformações. O Brasil é um dos grandes laboratórios sociais da democracia contemporânea. Tenho insistido na argumentação de que no país espraia-se uma comunicação centrípeta, das margens para o centro, fruto da multiplicação de novos polos de poder. A comunidade política está saturada de velhas instituições, de velhas práticas, de velhas promessas. Dá as costas para a política e vai procurar outras entidades de referência: sindicatos, associações, clubes, movimentos (de gênero e outras), grupos, enfim, organizações não-governamentais.
Essa movimentação gera gigantesca onda centrípeta, que se manifesta nas redes tecnológicas. Multiplicam-se as fontes. Cada pessoa se considera uma fonte de expressão. Dialogar com esses núcleos é um desafio e tanto.
Tal moldura parece não figurar na galeria governamental.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político