O jornalismo não pode parar (por David Pontes)

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“Quando uma árvore cai numa floresta solitária, sem nenhum animal por perto para ouvir, será que faz um som?” O que acontecerá um dia se a imprensa soçobrar à crise? Será que o debate público, o escrutínio dos diferentes poderes, a crítica cultural, a identificação de tendências sociais, a denúncia de abusos institucionalizados, a divulgação de ciência, a opinião esclarecida e tantas e tantas áreas, em que a imprensa cumpre o seu papel essencial na sociedade, continuarão a ser ouvidas? A resposta difícil é que sim, mas… Podemos publicar críticas em blogues, difundir opiniões nas redes sociais, propagar trabalhos académicos em podcasts, fazer um directo de uma carga policial escusada, mas faltará sempre o quadro de regras, procedimentos e enquadramento legal a que estão obrigados os jornalistas, que dão solidez à sua profissão e permitem a outros escrutiná-la abertamente. O espaço único que a imprensa escrita ocupou durante muito tempo, passou, nos últimos anos, a ter de conviver com a concorrência de outros meios de conexão à realidade e à actualidade, que lhe foram roubando espaço, disputando a atenção do público e as fontes de financiamento. Mas uma coisa é certa, se a imprensa desaparecer, o som que ouviremos não será certamente o mesmo, tão feito de ruído e distorção que poderemos mesmo duvidar se a árvore chegou a cair. Como já hoje vai acontecendo.

As ameaças que as nossas sociedades liberais enfrentam, no ataque à credibilidade dos principais actores – dos políticos aos cientistas –, no desafio que a desinformação representa, pela forma como condiciona o pensamento de milhões, não podem ser dissociadas da crise que a indústria jornalística atravessa. E essa crise é mais verdade na imprensa de qualidade, que é, com imodéstia justificada, o espaço em que se enquadra um jornal como o PÚBLICO.

Manter uma edição impressa diária, a par com a edição contínua do online, responder ao desafio dos novos formatos informativos e das novas plataformas onde o jornal está presente, tem exigido um enorme esforço deste jornal. Antes éramos papel, hoje somos também som, newsletters, vídeo, redes sociais, transmissões em directo, tudo mantendo o elevado padrão de exigência da imprensa de referência. Temos vindo a acrescentar as mais variadas competências, a redacção voltou a crescer, tudo isso num cenário em que as receitas foram diminuindo.

Os jornalistas são vítimas desta pressão com remunerações quase congeladas há anos, iniciando a profissão com salários baixos, que poderão demorar uma eternidade a crescer, numa empresa que, felizmente, pode ainda contar com o apoio do seu accionista, mas que aposta, cada vez mais, num futuro em que os seus assinantes serão a maior fonte de sustentabilidade.

A maioria daqueles que se entregam ao PÚBLICO sem reservas todos os dias, estiveram em greve nesta quinta-feira (14/2) porque justamente querem melhores condições, mas também porque sabem que quem acredita nos valores da democracia não pode aceitar que o jornalismo possa parar. Se ele parar é o coração da democracia que deixa de bater.

Nota da Direcção Editorial

O jornal desta sexta-feira não poderia deixar de reflectir o facto de muitos dos nossos camaradas estarem em greve. Apesar de perceber as razões que motivam os protestos da classe jornalística, a Direcção Editorial considerou importante, na sua ligação aos leitores e para a vida da empresa, manter os serviços mínimos no site e uma edição nas bancas. Aos nossos leitores e assinantes pedimos compreensão por alguma falha e por uma edição mais curta.

(Transcrito do jornal PÚBLICO, de Portugal, onde pela primeira vez, em 40 anos, a imprensa faz uma greve nacional)

https:metropoles

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