As historinhas são conhecidas
A primeira é a de Alexandre Magno, o grande guerreiro. Quem conseguisse desatar o nó que unia o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Não conseguiram. Foram a Alexandre. Ele tinha duas opções: desatar o nó ou cortá-lo com a espada. Optou pela via mais rápida e certeira com um golpe forte. Sabia que perderia tempo tentando desatá-lo. E assim o nó górdio entrou para a história.
O segundo caso é o ovo de Cristóvão Colombo, que descobriu a América em 1492. Levaram um ovo para o almirante e pediram que ele o equilibrasse. Muitos tentaram. O ovo não se equilibrava. Com um pouquinho de força, Colombo colocou o ovo em posição vertical sobre a mesa. O ovo de Colombo foi festejado com aplausos.
Ambos os casos revelam a condição cognitiva dos protagonistas, a capacidade de equacionar em determinado espaço de tempo, o desafio a eles imposto, o rumo estratégico de suas decisões. Procurando encontrar uma palavra para abrigar o significado, encontro um termo que não é um dos mais bonitos da língua portuguesa: acurácia. Que significa perfeição, acerto, exatidão, retidão, rigor.
Pois bem, o conceito cai bem sobre os nossos governantes, a partir do presidente da República, Lula da Silva. Falta-lhe acurácia, acerto nas ações governativas. Parece querer resgatar as circunstâncias de seus mandatos I e II, quando abriu os cofres para encher o bolso das massas, escancarando o cofre do Tesouro para propiciar o acesso ao consumo e, por essa via, alavancar a economia. Os tempos são outros e Lula mostra ouvidos moucos à ideia de controlar os gastos e fechar a gastança.
Com tanta experiência acumulada, tanta estrada percorrida, tantos dribles emotivos, Luiz Inácio poderia agregar condições para realizar um terceiro mandato prestigiado e aplaudido pelo povo. Governar, assim, com os pilares do bom senso e da razão. Por que isso ocorre?
A primeira razão está na falta de bússola. O Governo não possui uma boa estratégia. Trabalha no varejo. Sem rumo e se um eixo-mor, fica tateando à procura de pontos de contato com os grupos sociais.
Lula parece cansado. Não exibe a vitalidade dos tempos idos – o que é bastante compreensível -, o animus animandi que funciona como motor da vontade de fazer o melhor possível para ajustar as engrenagens da máquina. Seu ministério é um desfile de postos e nomes de difícil retenção na memória.
Ademais, o governante parece insistir na direção errada. Sabendo que há falhas na articulação políticas e um bombardeio fere o ministro Alexandre Padilha, o presidente, em vez de entrar na liça para sustar os tiros, responde com uma expressão incondizente com a arte de administrar o caos: só por teimosia, Padilha vai passar um bom tempo por aqui. Ora, onde já se viu um comandante de governo e um chefe de Estado governar com a alma assolada pela birra, banhada pelo ódio, balizada pela vingança?
A administração, cujos dirigentes não cabem numa mesa do Planalto, não estão sabendo selecionar projetos sociais ou fazer sua correção a tempo. E, assim, não contemplam aspirações e expectativas da população.
A impopularidade que ameaça se expandir pelos vãos do Executivo resultam da precária escolha de projetos e de sua operação. O rombo da Previdência sobe aos céus. O déficit zero do PIB será mera promessa. Como está a transposição das águas do São Francisco? O governo aparece inaugurando obras, sem água jorrando das torneiras.
A sanha arrecadatória mostra as garras. O leão está faminto. Virão recursos novos das loterias e, quiçá, do bolso dos ricos, pelo que se deduz das falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Dinheiro para ajuste do funcionalismo público? Pálida promessa para um tardio amanhã. Mas os juízes e membros do Ministério Público, esses, sim poderão ganhar aumentos substantivos em seus salários e colecionar quinquênios em seus proventos.
Por último, a fanfarra expressiva de Sua Excelência. Lula não pode ver um microfone. A bola estará com ele no campo da oratória. Dá recados, responde a eventuais acusadores, puxa a orelha de uns e outros ministros, faz elogios esparsos, joga o verbo nas redes, fazendo gols quase todos os dias com a palavra de palanque. No cenário internacional, já não é mais “o cara”, como se referia a ele o então presidente Barack Obama. A banalização do discurso – com as recorrentes falas – acaba rebaixando a eloquência e fazendo o ouvinte bocejar.
Para ser justo: Lula continua a agregar um estoque grande de carisma. Que usa para manter acesa a chama da esperança. Porém, não chega tão perto do povo, as massas que acorriam a seus apelos. Ocorre que muita coisa mudou. E o país continua dividido.
Todo líder possui uma qualidade notável: a de antever possibilidades, quando os outros só vêm restrições. Os dois casos, que abrem este texto, apontam para perfis determinados e que trazem soluções criativas para os dilemas cotidianos. Não parece ser o caso de Lula ou de outro figurante na atual quadra do país.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
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