“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, disse Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington, nomeado para o posto pelo general Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar de 64. A frase ainda ressoa.
O Brasil, à época da guerra fria, quando o mundo estava dividido em dois blocos – um sob o comando dos Estados Unidos, o outro sob o comando da União Soviética –, era mais uma ditadura militar a instalar-se na América Latina, e a mais importante delas.
Os militares haviam dado o golpe a pretexto de salvar o país da ameaça comunista. E os políticos que apoiaram o golpe, a imensa maioria deles, acreditavam que a democracia seria restabelecida a tempo de acontecer uma nova eleição presidencial um ano depois.
O ex-presidente Juscelino Kubistchek, pelo PSD, e o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, pela UDN, despontavam como candidatos à sucessão de Castelo Branco. Juscelino foi cassado em 1964. Lacerda, o líder civil do golpe, em 1968. Quatro generais sucederam a Castelo Branco.
Dessa forma, a democracia dita ameaçada pelo comunismo internacional sumiu do mapa brasileiro por tenebrosos 21 anos. Voltaria a sumir se o golpe planejado por Bolsonaro e seus comparsas ao longo dos últimos quatro anos tivesse sido bem-sucedido.
Porque o golpe abortado por falta de apoio civil e militar começou a ganhar tração antes de Bolsonaro completar seu primeiro ano e meio de desgoverno. Ou você não lembra do ato do dia 19 de abril de 2020, um domingo calorento, em frente ao QG do Exército, em Brasília?
Do alto de uma camionete, diante de centenas de devotos que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a volta do Ato Institucional nº 5, o mais violento da ditadura, Bolsonaro disse empolgado:
“Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Não vamos negociar nada. Todos sem exceção têm que ser patriotas e fazer sua parte para que possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. O povo no poder. Faremos tudo para isso”.
(Imagine se Lula dissesse hoje algo parecido diante do QG do Exército ou em suas imediações, onde milhares de bolsonaristas ficaram acampados a pedir a anulação das eleições de 2022? Dali saíram no 8/1 para vandalizar os prédios da Praça dos Três Poderes.)
De Bolsonaro, diga-se qualquer coisa, menos que tenha escondido suas reais intenções um só dia. Ele tinha pressa para golpear a democracia. E outra vez deu sinais disso apenas quatro dias depois do malsinado comício na porta do QG do Exército. Foi no dia 22 de abril.
O vírus da Covid-19, associado ao governo, já colhera a vida de quase seis mil pessoas. Bolsonaro reuniu seus ministros para dizer-lhes que precisava de “um sistema particular de informações” e de uma Polícia Federal que lhe fizesse as vontades. Não poderia ter sido mais claro:
“Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.
Nunca esteve. E a prova definitiva disso é o vídeo da reunião ministerial de 5 de julho de 2022. Por que deixar registrada a confissão de um crime? Para chantagear mais tarde alguns participantes da reunião? Para deleite dos historiadores? Para nunca mais ser esquecido? Agora, pede que o esqueçam.
O vídeo mostra o desespero de Bolsonaro e dos seus companheiros de organização criminosa a três meses da derrota que consideravam inevitável. Dada a eleição como perdida com tamanha antecedência, era necessário pensar de imediato em como “virar a mesa” – o Plano B.
Poder assistir ao vivo 0 debate sobre um golpe que se frustrou é algo inédito no planeta Terra, e nós temos esse privilégio. Mas o vídeo é uma peça secundária no rol de provas e de fortes evidências já recolhidas pela Polícia Federal para que Bolsonaro acabe condenado e preso. Haverá de ser.
De volta, portanto, à frase de Juracy Magalhães sobre o que era bom para o Brasil. Nos Estados Unidos, Trump poderá pagar caro pelo golpe que tentou dar para evitar a posse de Joe Biden, mas não é certo. Aqui, Bolsonaro tornou-se inelegível por atentar contra o Estado Democrático de Direito.
Não seria o caso de atualizar a frase de Juracy: “O que é bom para o Brasil é bom para os Estados Unidos”? Do mesmo jeito que Bolsonaro teve pressa em dar o golpe, o Brasil deveria ter pressa em julgá-lo, condená-lo e despachá-lo para a Penitenciária da Papuda. Sem anistia.