O silêncio dos inocentes ou covardes e o temor dos golpistas

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Metade ou pouco mais da classe política assiste placidamente e sem manifestar-se à descoberta do esquema gigante de espionagem que funcionou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, obcecado com ideia de manter-se no poder a qualquer preço.

A outra metade estrebucha na maca, destila ódio e promete reagir por todos os meios com medo de que o aprofundamento das investigações bata à sua porta mais cedo ou mais tarde. Seus alvos preferenciais são, pela ordem, a Justiça, a Polícia Federal e o governo.

Cada um sabe onde lhe apertam os calos. E os que não tem calos a incomodá-los, silenciam porque padecem do mal do corporativismo. Ou porque em ano de eleições não querem pôr em risco alianças com seus pares. Ou porque não se dão conta do risco que também correram.

A espionagem promovida pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) concentrou-se nos adversários dos Bolsonaro e nas instituições que poderiam contrariar os interesses deles de se perpetuar no poder. Afinal, o adversário de amanhã poderia ser o falso amigo de hoje.

Todos que não se alinhavam com os propósitos do clã e dos seus devotos de absoluta confiança foram tratados como potenciais inimigos, a merecer a especial atenção dos arapongas. É o que restará provado quando a lista dos espionados for finalmente revelada.

No dia em que os agentes federais foram buscar a lista na sede da Abin, a nova direção da agência recusou-se a entregá-la. Alegou que a ordem de apreensão assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, ministro do Supremo, era vaga, genérica e não especificava a lista.

Então o ministro viu-se obrigado a expedir na mesma hora outra ordem onde deixou claro que mandaria prender quem dificultasse o trabalho de investigação dos agentes federais. Obtida a lista, ela hoje está sendo examinada e dará origem a futuras operações policiais.

Compete à Abin, segundo a lei:

Planejar e executar ações, inclusive sigilosas, para obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o presidente da República;

Planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade;

* e avaliar ameaças, internas e externas, à ordem constitucional.

Conhecimentos sensíveis relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade… Avaliar ameaças à ordem constitucional… A Constituição não chancela a espionagem de adversários políticos do presidente da República. Espioná-los configura crime.

O advogado que defende um adversário político do presidente não pode ter sua vida bisbilhotada por cumprir sua função. O jornalista que publica notícias que desagradam o presidente, ou que critica o governo, limita-se a cumprir seu papel e também não pode ser espionado. Isso é coisa de ditadura.

Não cabe a um órgão de inteligência em um Estado democrático assessorar a defesa de parentes do presidente processados pela Justiça, ou seguir os passos de chefes dos demais Poderes da República, ou produzir fake news para prejudicar quem quer que seja.

A Abin, sob o comando do atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), fez tudo isso e muito mais, como se verá em breve. O próprio Bolsonaro declarou em abril de 2021 que tinha um sistema particular de informações, paralelo ao oficial. A sugestão de criá-lo partiu do seu filho Carlos.

Ao demitir-se do ministério da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro disse em público que estava em curso um aparelhamento da Polícia Federal jamais visto nos governos do PT. A denúncia de Moro ficou por isso mesmo. Mais tarde, Moro apoiou a reeleição de Bolsonaro.

A classe política que de fato importa, e que nunca se associou ao desejo de Bolsonaro de destruir a democracia, não pode fechar os olhos e tapar os ouvidos diante do que aconteceu e que agora emerge das sombras. Se o fizer, estará sendo cúmplice com atraso de um golpe que fracassou.

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