Dados sobre a bioeconomia da Amazônia até existem, mas são díspares, dispersos e desconexos. Por isso, com o objetivo de integrá-los e ordená-los, a fim de orientar políticas públicas e nortear investimentos, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, com o apoio financeiro do Fundo JBS pela Amazônia, criaram um painel de dados que reúne, organiza e integra informações sobre três das principais cadeias produtivas da floresta: açaí, cacau e babaçu.
Em entrevista ao Um Só Planeta, Adriana Barros, do Grupo de Trabalho de Bioeconomia da organização Uma Concertação pela Amazônia, dá mais detalhes sobre as metas do projeto. De acordo com ela, entre os objetivos estão integrar, em formato adequado, dados e metadados e apresentá-los de forma comparativa entre suas diferentes fontes. “Além disso, com o painel, buscamos propiciar uma visão muito mais completa do real tamanho da bioeconomia de base florestal no Brasil, para subsidiar e nortear o desenho de políticas públicas, investimento no setor, entre outros benefícios”, explica.
As três cadeias produtivas – açaí, cacau e babaçu – foram selecionadas para o início dos trabalhos por representarem o gradiente do extrativismo puro ao cultivo integrado. Os dados foram retirados das estatísticas produzidas durante 35 anos, entre 1986 e 2021, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Batizado de Painel da Floresta, a nova plataforma disponibiliza informações como a região das plantas, o valor da produção, a quantidade produzida em toneladas, área colhida e produtividade desses frutos, além de mostrar a evolução desses dados ao longo do tempo.
Embora ainda na fase de piloto, o painel já tornou possível algumas descobertas. Uma delas é a queda da produção de amêndoas de babaçu. Em 1942, eram produzidas 57 milhões de toneladas delas, número que atingiu o pico em 1979, quando o volume chegou a 251 milhões de toneladas. Desde então, a produção começou a cair, recuando para 119 milhões de toneladas em 2005 e baixando ainda mais, para 54 milhões de toneladas, em 2017.
“O babaçu é o produto mais importante da biodiversidade brasileira”, afirma o cofundador da empresa Atina e líder do Subgrupo Banco de Dados da Coalizão, Eduardo Roxo. De acordo com ele, na década de 1980, havia mais de 50 fábricas produtoras de óleo de amêndoas de babaçu no Brasil, a grande maioria na Amazônia. “Depois veio o primeiro tombo, com a concorrência do produto feito de soja”, conta. “Mais tarde, o tombo foi ainda maior com a entrada no mercado do óleo de palma. Hoje, são extraídas 48 mil toneladas de amêndoas por ano, a mesma ordem de grandeza da produção da década de 1940.”
Alcides Brum, membro do Grupo de Trabalho de Bioeconomia da Concertação e fundador da empresa Florestas Brasileiras, ressalta que a troca do babaçu pela soja e pelo óleo de palma fez os seus produtores e extratores perderem renda – o que levou ao êxodo rural –, e motivos para manter as florestas em pé. “A espécie é uma palmeira nativa e aceita períodos extensos de seca e terrenos pouco nobres para plantio”, explica. “A planta proporciona mais diversidade e renda.”
Segundo Brum, pelo menos quatro empresas de porte significativo nas proximidades do Maranhão literalmente fecharam ou deixaram de operar com o óleo de babaçu. “Outro fato marcante é o número de quebradeiras (grupos formados por mulheres de comunidades tradicionalmente extrativistas) do coco de babaçu, que na década de 1980 foram estimadas em 300 mil e que hoje talvez não chegam a 20 mil”, diz.
Apesar disso, Brum ressalva que o babaçu continua sendo importante pela renda que proporciona para toda a cadeia produtiva e pelo potencial de ganhos que pode ser materializado por meio de outros produtos, além do óleo. “Do babaçu se aproveita literalmente 100%”, explica. “Também é importante pela enorme biodiversidade que existe onde a espécie ocorre. O equilíbrio é tão grande que não existem pragas conhecidas que ataquem a palmeira e seus frutos.”
Os dados do Painel da Floresta também trouxeram uma outra constatação: a migração da cultura do cacau da Bahia para o Pará, ocorrida a partir da década de 1990. Os números mostram que dos 10 munícipios brasileiros com maior produção em 1986, 8 eram na Bahia, 1 em Rondônia (Ariquemes, em 8º lugar) e 1 no Espírito Santo (Linhares, em 9º). Nenhum era no Pará. Em 2021, 6 eram deste estado, apenas três da Bahia e um capixaba (o mesmo Linhares).
Em 1986, os 10 municípios baianos que mais produziram cacau plantado atingiram o volume de 171,3 mil toneladas, enquanto os 10 maiores produtores paraenses não passaram de 15,1 mil toneladas. Em 2021, as posições haviam se invertido: 54,5 mil toneladas na Bahia ante 126,5 mil toneladas no Pará. “A causa dessa mudança foi a vassoura-de-bruxa”, explica Roxo.
Ele se refere ao fungo Moniliophthora perniciosa, que foi registrado pela primeira vez numa plantação de cacau no sul da Bahia em 22 de maio de 1989. Natural do vale do Rio Amazonas, a doença se espalhou pela estado e praticamente dizimou a cacauicultura baiana. A praga reduziu a produção do estado em 60% e levou à falência cerda de 30 fazendas.
De acordo com Adriana, o painel não se limitará ao açaí, babaçu e cacau, no entanto. “A ideia é abranger a maior parte das cadeias produtivas da bioeconomia brasileira, tanto as de maior expressão, que já estão conectadas ao mercado internacional, quanto aquelas que movimentam redes localizadas de relevância regional”, conta. “Assim, o objetivo é retratar não apenas as cadeias que movimentam maiores volumes ou valores, mas também aquelas que têm importância regional como geradoras de renda e inclusão de comunidades produtoras.”
As informações são do site Um só planeta.