Um comercial de campanha do candidato ultraconservador à presidência da Argentina Javier Milei começa com ele olhando para a câmera e exibindo um sorriso enigmático. À medida que a câmera se distancia dele, aparece um grupo de pessoas ao seu lado.
No momento seguinte, dois homens entram em cena carregando uma maquete gigante do prédio do Banco Central da Argentina, e a depositam sobre um estrado. Uma pessoa oferece a Milei algo parecido com um taco de beisebol.
Então, em coro, todos gritam palavras de incentivo ao candidato, inclusive ele mesmo. Por fim, Milei pega o taco e começa a destruir a maquete até quase nada restar dela. Essa é uma das suas promessas de campanha: se eleito, acabará com o Banco Central.
Formado em economia, no passado Milei estagiou no Banco Central. Para renovar o estágio, teria que ser aprovado em um teste psicotécnico. É um tipo de avaliação que mede as habilidades mentais e as aptidões cognitivas de uma pessoa. Foi reprovado.
Os argentinos não sabiam disso. Souberam quando a questão foi levantada pelo ministro da Economia, Sérgio Massa, adversário de Milei, durante o debate final desta eleição, disputada em três etapas. Chamado de El Loco, Milei gaguejou para responder.
Massa conseguiu baixar o facho de Milei e seus seguidores, o que não significa que os tenha derrotado de véspera. Mas a história da reprovação no teste psicotécnico interrompeu a escalada de Milei vista por muitos como inexorável. A eleição está empatada.
Enquanto Massa, candidato peronista, comporta-se como se a vitória batesse à sua porta, Milei dá sinais de sentir-se acuado e tenta criar um fato que o beneficie a 72 horas do encontro com a verdade. Que tal a denúncia de que a eleição será fraudada?
Nada há de original nisso. Derrotado por Joe Biden, Donald Trump disse que a eleição lhe fora roubada e animou sua militância a invadir o Capitólio, sede do Congresso. Bolsonaro foi mais diligente: falou em fraude logo depois de eleito em 2018.
Diga-se a favor de Milei que, mesmo tendo vencido a eleição primária de 13 de agosto, ele disse que lhe subtraíram de 4% a 5% dos votos que obteve. Renovou a denúncia no primeiro turno da eleição em 22 de outubro quando ficou 7 pontos atrás de Massa.
E agora outra vez. Cadê as provas de fraude? Milei admite que não as tem. Baseia-se – confessa – em notícias postadas nas redes sociais, mas jura acreditar piamente nelas. Tanto, que se valeu da irmã para formalizar, ontem, a denúncia perante a Justiça.
O voto na Argentina é impresso. Embora eleito e reeleito deputado federal seis vezes pelo voto eletrônico, Bolsonaro batalhou pelo restabelecimento do voto impresso que dizia achar mais seguro. No caso de Bolsonaro, porque perdeu, ele quis dar um golpe.
Milei não tem a menor condição de ir pelo mesmo caminho. Bolsonaro estava no poder, era apoiado pelos militares e detinha a caneta mais cheia de tinta da República. Milei conta apenas com a desesperança dos argentinos para alcançar o poder.