No último mês, duas histórias de violência sexual atraíram a atenção da sociedade brasileira por terem envolvido homens famosos. Primeiro, houve o caso do jogador Daniel Alves, condenado em fevereiro a 4 anos de prisão por estupro na Espanha, que conseguiu liberdade provisória em março, ao pagar 1 milhão de Euros de fiança. E, depois, o ex-jogador Robson de Souza, o Robinho, condenado a 9 anos de prisão por estupro coletivo na Espanha, teve sua prisão decretada e cumprirá pena no Brasil.
Esses eventos são apenas um recorte minúsculo da violência sexual à qual mulheres são submetidas em todo o mundo.
No Brasil, segundo dados do IBGE e do Ministério da Saúde, ao todo foram registrados 822 mil casos de violência sexual no ano passado. Em relação aos danos causados ao psicológico das mulheres, a psicóloga clínica especializada em violência doméstica Cláudia Patrícia Ferreira, explicou que a aceitação cultural do assédio é uma violência grave muitas vezes ignorada pela cultura vigente.
“Sabe-se que, nesse tipo de violência psicológica, as mulheres se encontram mais suscetíveis a sofrê-la, até por conta dos aspectos culturais da nossa sociedade que valorizam uma masculinidade distorcida e adoecida. Essa aceitação cultural acaba por contribuir com a naturalização do assédio e da importunação sexual, em que a mulher, muitas das vezes, mesmo sofrendo essa violência, ainda assim ficam em dúvida quanto à percepção do assédio sofrido, ou por medo de sofrer retaliação do assediador, ou porque realmente tem aquela grande máxima nossa: é um valor ser cantada por um homem, porque isso mostra que você é uma mulher atraente”, explicou Cláudia Patrícia.
Sobre o grau de violência sofrida, a psicóloga clínica e colaboradora do Instituto DESABUSO Lilian Costa Schüler afirma que “a gama de danos e cicatrizes é imensa (físicas, psíquicas, sexuais, sociais) e afeta de forma contundente inúmeros contextos da vida de uma pessoa. A violação do corpo e da alma geram reações psicossomáticas, medo extremo do agressor e de pessoas do mesmo sexo que ele, isolamento social, dificuldade para dar e receber afeto, aversão ao toque e aos diversos matizes de intimidade nas relações”.
Cláudia Patrícia complementou que “a violência psicológica decorrente do assédio sexual sofrido pela mulher repercute de várias maneiras, podendo gerar um transtorno de estresse pós-traumático e, ainda, podem chegar a um fator mais grave dessa cadeia de atingimento psíquico, o suicídio”. Ela ainda ressalta que “quando uma mulher passa por questões de sofrimento psíquico dessa magnitude e começa a entrar num processo de adoecimento, não tem como não afetar a atividade laboral dela. A mente vai ficar totalmente voltada para criar uma defesa e tentar entender e compreender o que está acontecendo”.
A vítima do estupro realizado pelo jogador Daniel Alves, quando soube que ele obteve direito à fiança, desabafou dizendo: “Sinto que voltaram a me estuprar. Estou cansada de ser forte, não quero mais ser forte”.
Lilian Schüler explica que “o Legislativo e Judiciário ainda se apoiam em poder, mentalidade machista e textos de leis que banalizam e naturalizam as violências em geral, e as sexuais em particular. Perde-se a noção e a importância da validação de dores e sofrimentos, ignoram-se sinais e sintomas óbvios e se perpetuam a impunidade, a invisibilidade e o silêncio que encobrem tais crimes, além de permitir o surgimento de milhares de novas vítimas”.
Ainda sobre a sensação de impunidade, Cláudia Patrícia afirma que ” o assediador consegue se esconder pelas brechas das leis que são elaboradas pela maioria masculina do Congresso. Por isso, a importância de maior representatividade feminina e consciente das questões das mulheres em todo o âmbito da sociedade, na política, na justiça”.
“Os crimes sexuais são caracterizados por total incapacidade de empatia por parte dos abusadores com relação às pessoas em geral e suas vítimas em particular. Se apropriam dos corpos das vítimas para obter prazer e se arrependem de ser pegos, apenas. Seu comportamento é perverso, criminoso, crônico e compulsivo. Por isso, cada inação nossa é porta aberta para o surgimento de dezenas de novas vítimas. A omissão nos torna parte do problema e alimenta a impunidade. Se você é uma vítima, procure ajuda e tratamento e nunca mais se cale”, concluiu Lilian Schüler .