O popular k-pop da Coreia do Sul e o gênero mais amplo “hallyu” ou “onda coreana” da cultura popular estão passando por uma espécie de crise, com as vendas domésticas em declínio, as novas bandas não têm conseguido provocar o mesmo frenesi de suas antecessoras, e as ações das principais agências de k-pop estão despencando, o que sugere que os investidores estão nervosos com a possibilidade de a bolha estar prestes a estourar.
A queda doméstica ocorre em momento em que esses mesmos artistas – BlackPink, BTS e o irascível Psy, que lançou Gangnam Style em 2012 – continuam com popularidade em ascensão no cenário internacional.
A suspeita é que, ao tentar ampliar seu apelo para um público global – apresentando-se em idiomas estrangeiros, chegando ao topo das paradas musicais nos principais mercados do mundo e sendo badaladas nos programas de entrevistas – essas bandas esqueceram suas raízes e correm o risco de se afastarem das mesmas pessoas que ajudaram a catapultar suas carreiras.
A hallyu, é claro, passou por altos e baixos em sua popularidade, mas sempre encontrou uma maneira de se reinventar ou evoluir, apontam os analistas. O desafio, sugerem eles, é que o setor faça o mesmo truque para fazer com os fãs locais continuem comprando as músicas e comparecendo aos shows.
Popularidade nacional versus internacional
“Eu sugeriria que não há absolutamente nenhum sinal de declínio da popularidade do k-pop no exterior e que é difícil correlacionar diretamente o valor do mercado de ações das agências de k-pop com a popularidade de suas bandas”, disse Park Saing-in, economista da Universidade Nacional de Seul.
“Mas podemos dizer que os preços das ações refletem as expectativas futuras do mercado e, embora bandas de sucesso como BTS e Blackpink ainda estejam se apresentando, é justo perguntar onde estão seus sucessores”, disse Park à DW.
Nos últimos meses, a nova banda Baby Monster não conseguiu fazer uma diferença significativa no Melon Top 100, o ranking sul-coreano de vendas de música, enquanto ITZY e NMIXX viram seus últimos lançamentos afundarem drasticamente na segunda semana, informou no início deste mês o The Korean Times.
Da mesma forma, as vendas do último mini-álbum lançado pelo grupo feminino Le Sserafim encolheram 20% na segunda semana de lançamento.
A incerteza sobre a capacidade de financiamento dos artistas no país prejudicou as quatro maiores agências de gerenciamento. As ações da YG Entertainment caíram 15% em meados de março em relação ao início do ano. A HYBE caiu 19%, enquanto a gigante do setor SM Entertainment caiu 22% e a JYP Entertainment perdeu preocupantes 33% do valor de suas ações no mesmo período, de acordo com o jornal ChosunIlbo.
Em resposta à queda nas vendas, que representam uma grande fatia da receita total, as agências estão tentando lançar uma série de novos artistas. A YG Entertainment lançou a boy-band Treasure, a HYBE apresentou TWS e Katseye e a SM Entertainment promoveu o NCT Wish.
Mas não está claro se alguma dessas bandas, além de outras que estão sendo preparadas, tem o que é preciso para assumir o lugar de supergrupos como o BTS.
Escândalos
Outros problemas também assolaram o setor, com os membros do BTS atualmente cumprindo serviço militar sul-coreano, forçando a banda a entrar em um hiato de um ano, enquanto outras estrelas foram atingidas por escândalos.
Karina, uma cantora de 24 anos do grupo feminino Aespa, provocou uma tempestade de protestos dos fãs depois que foi revelado, no final de fevereiro, que ela estava em um relacionamento com o ator Lee Jae-wook.
As agências incentivam seus artistas a não terem namorados ou namoradas, pois isso destrói o sonho que elas gostam de promover entre os fãs de que esses ídolos são solteiros e, portanto, potencialmente disponíveis como parceiros românticos, por mais fantasiosa que essa ideia possa ser.
Há um grupo de seguidores fanáticos que comparecem aos shows com cartazes que dizem “meu marido” ou “minha esposa” – e a revelação de que o alvo de seu afeto está realmente envolvido em um relacionamento real é uma traição que muitas vezes leva à raiva e a acusações nas mídias sociais.
Seja qual for a causa da angústia dos consumidores, isso está se refletindo na queda da popularidade no mercado local.
“Grande parte da cultura hallyu atingiu seu auge durante a pandemia de covid”, disse David Tizzard, professor assistente de educação na Seoul Women’s University e colunista de um jornal coreano com foco em assuntos sociais. Hallyu é um termo chinês que se traduz como “onda coreana” e se refere à cultura popular coreana, desde música a filmes, comida e jogos.
“Com as pessoas presas dentro de casa ou isoladas das outras, elas se voltaram para a música e os dramas sul-coreanos para superar a situação”, disse ele. “A hallyu também é mais do que apenas conteúdo, há uma comunidade e uma cultura ao redor que atrai as pessoas. Elas podem fazer mais do que apenas assistir a um drama, podem aprender sobre os atores, ler ficção, comunicar-se pelo Twitter e pelo Tik-Tok”, acrescentou.
Mudança pós-pandemia
Quando a pandemia terminou, algumas pessoas “seguiram em frente”, disse Tizzard. “Isto serviu a um propósito. Era uma cultura genuína, com pontos altos visíveis como o filme Parasita no Oscar e Blackpink e BTS alcançando grande sucesso, mas agora essa cultura mudou e as pessoas estão procurando algo novo.”
Tizzard acredita que, embora a cultura hallyu possa não ser tão ampla como era há alguns anos, ela continua profunda e “os fãs que se envolvem com ela ainda são tão apaixonados como sempre foram”.
Mas Park não está convencido de que isso será suficiente. “No passado, a Coreia do Sul produziu muitos dramas de sucesso na televisão que eram extremamente populares aqui e em todo o mundo”, ressaltou. “Mas esse não é mais o caso, e o setor de televisão perdeu seu ímpeto. A mesma coisa pode acontecer com a música e filmes coreanos”, acrescentou Park. “Eu diria que o k-pop parece estar estruturalmente sólido no momento, mas o futuro continua incerto.”