SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Exausto de correr por horas de um drone ucraniano que tentava matá-lo com pequenas bombas, como havia feito com colegas dele durante toda a tarde, o soldado russo Ruslan Anitin, 30, decidiu se render.
A noite chegava no último dia 9 de maio em uma parte do leste da Ucrânia quando o recruta olhou para a máquina que voava e cruzou os braços na frente de seu peito. A cena foi vista a quilômetros de distância por seus rivais, perto de Bakhmut um dos epicentros da guerra desde a invasão do país pela Rússia.
Drones desempenham papel importante no conflito, em especial do lado ucraniano, ampliando o alcance do Exército do país do Leste Europeu e lançando granadas com precisão nos combatentes inimigos.
Naquele dia de maio, porém, um dos aparelhos teve uma função diferente. Os pilotos ucranianos já haviam matado dezenas de russos com os veículos durante o expediente, até que um deles, que atende pelo apelido de Boxer, viu a imagem de Anitin implorando por sua vida em alta definição. O russo tentava criar uma linguagem com a máquina: se a luz do drone piscasse uma vez, significaria sim; duas vezes, não.
Com a autorização de um coronel para fazer contato, Boxer escreveu um bilhete: “Renda-se, siga o drone”, que chegou a Anitin voando por meio de outro equipamento. “Apesar de ele ser um inimigo, mesmo tendo matado nossos homens, ainda sentia pena dele”, disse o ucraniano de 26 anos ao The Wall Street Journal.
Com o bilhete em mãos, o russo obedeceu e caminhou por cima de seus companheiros mortos “como um zumbi”, segundo um dos militares ucranianos que acompanhou o longo trajeto. Parou para fumar cigarros, descansar e beber água antes de entrar na mira da artilharia russa e ouvir balas passando acima de sua cabeça e ver um dos drones que o guiavam ser derrubado por estilhaços de uma explosão.
Ao avistar uma posição ucraniana, correu, tirou o capacete e o colete a prova de balas e se ajoelhou. Foi preso por dois soldados ucranianos que o mantiveram sob a mira de fuzis e amarraram suas mãos para levá-lo a um centro de detenção na região de Kharkiv, onde o Wall Street Journal falou com ele.
Segundo autoridades de Kiev consultadas pelo jornal, a linha ucraniana que atende russos que querem se render recebeu 17 mil consultas desde setembro. Há alguns meses circula, entre especialistas e autoridades ocidentais, a análise de que Moscou sofre com falta de munição e baixas maiores do que as previstas hipótese corroborada pelas reclamações do próprio presidente russo, Vladimir Putin, que no início do ano repreendeu um de seus ministros pelo fato de a produção de aeronaves levar “muito tempo”.
Ao mesmo tempo, Kiev começa uma esperada contraofensiva após reforçar suas defesas antiaéreas com as armas que conseguiu de seus aliados durante o inverno europeu. Em paralelo, milhares de soldados ucranianos voltaram recentemente de uma série de treinamentos em países ocidentais.
As mudanças da conjuntura da guerra foram determinantes para o destino de Anitin. Até setembro, ele administrava uma loja de bebidas na cidade de Idritsa, perto da fronteira com a Letônia, e seu maior contato com as Forças Armadas havia se dado há quase dez anos, no período em que prestou o serviço militar obrigatório. Naquele mês, Putin teve de mobilizar civis após enfrentar perdas no campo de batalha.
Desempenhando principalmente funções de guarda, ele não viu combates nos primeiros meses. O cenário mudou após as baixas anunciadas pelo fundador do grupo mercenário russo Wagner, Ievguêni Prigojin, em um vídeo furioso endereçado à Defesa de seu país. “Entendemos que eles queriam nos jogar naquele moedor de carne”, disse Anitin ao WSJ.
Ali realmente encontrou a guerra, quando, durante a madrugada do dia em que se rendeu, foi atacado por tiros de morteiro que duraram 40 minutos. Sob a ameaça de ser morto caso recuasse de uma missão, avançou sem perceber que pisava em cadáveres. Encontrou o drone horas depois, ainda sem saber que abandonaria as armas para ser preso.