Escrito em 2006 pela mineira Ana Maria Gonçalves, Um Defeito de Cor é um retrato original e pungente da exploração e da luta de africanos na diáspora e de seus descendentes. Em pouco tempo, se tornou leitura fundamental para entender a história do Brasil e do racismo que perdura até hoje no país.
Na semana que vem, a impressionante história de Kehinde será cantada em looping no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, casa do Carnaval carioca, no desfile da Portela. A Majestade do Samba usou a história criada por Ana como inspiração de um samba-enredo homônimo, que promete emocionar o público.
Em entrevista ao Metrópoles, Ana Maria contou que escreveu Um Defeito de Cor para se entender como mulher negra. “Escrevi em um processo de autoafirmação, de compreender quem eu eu sou, entender a história do Brasil em relação aos povos que foram escravizados. É o tipo de história que a gente não aprende no colégio”, destaca.
Para a autora, “não saber de onde se vem cria um lapso na formação da identidade”. “A identidade negra, em paíes que foram forjados pelo racismo, pela escravidão, é algo que voce forma meio a posteriori. É interessante que muita gente, principalmente pessoas mestiças como eu, que tem uma identidade parda, me fala que começou a se entender preto no Brasil por causa do livro”.
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Pautado em intensa pesquisa documental, Um Defeito de Cor narra oito décadas da formação da sociedade brasileira, a partir da história de Kehinde, ou sequestrada, escravizada e trazida para o Brasil, onde foi batizada como Luísa.
A protagonista é inspirada em Luísa Mahin, que teria participado da célebre Revolta dos Malês, liderada por escravizados muçulmanos a favor da abolição. Ela seria mãe do advogado, abolicionista, orador, jornalista, escritor e o patrono da abolição da escravidão do Brasil, Luís Gama, vendido como escravo pelo próprio pai quando criança.
Na avenida, a história do enredo vai se desenvolver por meio de uma carta sonhada pelos carnavalescos Antônio Gonzaga e André Rodrigues, na qual o baiano Luís Gama, advogado, abolicionista, orador, jornalista, escritor e o patrono da abolição da escravidão do Brasil, se dirige a sua mãe.
“É uma perspectiva muito interessante”, afirma Ana Maria, que até o contato da escola de samba não tinha muita ligação com o Carnaval. “Uma forma de homenagear todas as mães negras do Brasil, as mães da Portela e principalmente aquelas que não puderam criar seus filhos”, explica.
“Ainda não consigo colocar em palavras o que está sendo essa experiência. É muito enriquecedor ver como esse livro está sendo trabalhado por uma perspectiva mais popular. Infelizmente, a literatura no Brasil ainda é uma arte elitista, até porque livros são caros aqui, isso assusta as pessoas. Entã0 ver Um Defeito de Cor se transformar em um samba enredo, que é uma linguagem popular mas estremamente sofisticada tem sido muito interessante”, afirma Ana.
Ela ainda revela que sonha em ver o trabalho ganhando uma versão no audiovisual, o que quase aconteceu em 2020. “A Globo me procurou para falar sobre a possibilidade de sair uma supersérie sobre o livro, mas o contrato venceu e não penso em renovar. Mas acho que em algum momento vai acontecer”, destaca.