Esqueça que pesquisas de opinião realizadas à época atestaram que mais de 80% dos brasileiros eram contra o golpe, fosse eleito quem fosse no dia 30 de outubro de 2022. Esqueça que o governo americano e os governos da Comunidade Europeia foram contra o golpe.
No caso do americano, Bolsonaro chegou a pedir pessoalmente ao presidente Joe Biden que apoiasse sua reeleição porque Lula seria um risco para os interesses dos Estados Unidos. Biden disse não. E autorizou a Casa Branca a vazar o pedido que Bolsonaro lhe fez.
Biden fez muito mais: despachou para o Brasil secretários de Estado e até o chefe da CIA, a mais famosa agência de espionagem do mundo, para dizer aos nossos militares que não ousassem dar um golpe. Se dessem, o Brasil sofreria retaliações pesadas.
Esqueça que mesmo assim, obedientes a Bolsonaro, os generais acolheram à porta de quarteis os que clamavam por um golpe para impedir a posse de Lula. Quer dizer: anular o resultado das eleições e assegurar a permanência de Bolsonaro no poder. Um golpe.
Esqueça também que os então comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, em 11 de novembro de 2022, assinaram uma nota defendendo os golpistas acampados. A nota dizia que se tratava de livre manifestação de pensamento, algo simplesmente previsto na Constituição.
Os acampamentos atraíram integrantes da família militar, solidários com os golpistas. Maria Aparecida Villas Bôas, por exemplo, casada com o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, apareceu por lá em 28 de dezembro. O general Braga Neto, vice de Bolsonaro, idem.
Maria Aparecida, mais linha dura do muitos generais, estava a bordo de uma van adaptada para deficientes físicos e, ao acenar para os bolsonaristas, fez gestos que sugeriam a presença do marido no veículo. Villas Bôas foi o maior cabo eleitoral de Bolsonaro na eleição de 2018.
Esqueça ainda que o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército entre março e final de dezembro de 2022, recusou-se a participar da cerimônia de transmissão do cargo ao seu sucessor, o general Julio Cesar de Almeida, escolhido por Lula.
Em momento algum, é o que se sabe, Freire Gomes comunicou ao Alto Comando o que estava sendo proposto a ele por Bolsonaro: um golpe em três versões, à escolha do freguês. Freire Gomes reuniu-se duas vezes com Bolsonaro para discutir o golpe, mas acabou não topando.
Bolsonaro voou para os Estados Unidos em 30 de dezembro para não dar posse a Lula, mas a ideia do golpe não o acompanhou. Ficou aqui acampada. E saiu direto dos acampamentos para celebrar a “Festa da Selma”, a tentativa amadora e malsucedida do golpe de 8 de janeiro.
Esqueça, por fim, que os chefes militares assistiram de braços cruzados à invasão da Praça dos Três Poderes e dos prédios do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal. E que de braços abertos, receberam generosamente de volta os golpistas frustrados.
Por sinal, prestaram-lhes o último favor: barraram a chegada ao acampamento de uma tropa da Polícia Militar do Distrito Federal que tinha a missão de prendê-los. Para isso, o general Julio Cesar de Almeida moveu tanques e soldados. A prisão ficou para o dia seguinte.
Foi só birra do general? Afinal, a prisão seria inevitável. Não foi birra. O adiamento deu tempo para que membros conhecidos da família militar fugissem do acampamento de madrugada. Alguns fugiram de táxi. Outros com parentes e amigos que foram buscá-los.
Está em construção a narrativa de que não houve golpe no Brasil em dezembro de 2022 e em janeiro de 2023 graças às robustas convicções democráticas dos nossos bravos militares. Só os tolos, os que se fingem de cegos e os néscios acreditarão em tamanha asneira. Eles são muitos.
É desaconselhável bater palmas para golpistas. Vai que eles continuem ativos e não desistam do que não deu certo desta vez. Haverá sempre uma próxima. A democracia brasileira não é nenhuma Brastemp.